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Badiu ku Sampadjudu
Colunista

Badiu ku Sampadjudu

Mais do que meros nomes das variações nacionais, “badiu” e “sampadjudu” são grupos históricos do arquipélago cabo-verdiano.

Os “badius”, com maior ligação aos antepassados escravos, eram originalmente de pele escura, trabalhadores exímios na agricultura, rebeldes que nem os seus antecessores chicoteados e africanos na sua plenitude. Os “sampadjudus”, com maior ligação à mistura sexual entre os escravos e os colonizadores europeus, originalmente tinham a pele dourada, cabelos quase sempre finos, letrados e identificados com a delicadeza europeia.

Os “sampadjudus” eram filhos mulatos dos brancos, e por tal tinham, presumivelmente, o dever de acompanhar a escravidão dos primos pretos. Os “badius”, pretos iguais aos importados da Guiné, ou eram bons escravos, ou fugiam, igual ao que os rabelados fizeram posteriormente, dignificando o termo “badiu”, vindo de “vadio”.

Ambos, apesar de níveis diferentes, eram subjugados ao poder exterior dos europeus. Ambos sofreram após a escravatura, na Era colonial em que, na verdade, a escravidão continuou com contornos mais subtis. Ambos festejaram a independência nacional promovida por Cabral, e ambos continuam a desbravar com os problemas económicos e políticos que assolam a maior parte de África, incluindo Cabo-Verde.

Por esta intensa relação histórica, de África e Europa, que atualmente o cabo-verdiano se divide, geralmente, em dois. Uns aceitam-se, etnicamente, como africanos em homenagem à forte identidade genética e geográfica africana; também como forma de rebeldia contra as réstias persistentes do colonialismo que desvalorizou a condição desumana dos colonizados. Outros, em percentagem menor, sentem a necessidade de se caracterizarem como dignos europeus; por não quererem o desapego a Portugal e a sua influência de séculos, e por, verdade seja dita, julgarem que o Ser negro e africano é inferior, tendo em conta a grandeza ocidental imposta nos sonhos íntimos.

Estes mestiços de extremo apego europeu — concorde-se que são mestiços por natureza cabo-verdiana — nomeiam-se com vários nomes — iguais a mulato, crioulo ou cabo-verdiano — com a particular e pretensiosa intenção de não se mencionarem como africanos ou pretos; daí o complexo de Cabo-Verde com o resto da África, como se a localização geográfica não fosse suficiente para nomear os localmente nascidos.

Essa ideia de não pertença geográfica, devido à origem dos genes, caracteriza ideais racistas vistos em muitas zonas do globo; Cabo-Verde não foge à regra.

As desavenças pelas diferentes atribuições identitárias foram, por base e durante muito tempo, o motivo de discriminação entre muitos “badius” e “sampadjudus”. Nem encontros românticos entre casais, com membros de ambos os grupos, eram bem vistos. Foram necessários impulsos como razões políticas ou comerciais para que, finalmente, a convivência entre norte e sul de Cabo-Verde começasse a intensificar-se.

O que é preciso agora e futuramente em Cabo-Verde? É necessária uma reavaliação estrutural que promova a valorização por igual, das culturas de origem europeia e africana que deram origem à cultura do arquipélago; será necessário rebuscar em detalhe, a diversa influência africana que ficou perdida ou ofuscada pelo egoísmo e racismo colonizador. É preciso respeitar, também, a posição geográfica e a caracterização étnica atribuída pela vitória sobre o poder racista, escravagista e colonialista. Enquanto o orgulho Europeu é a sua história de Impérios, o orgulho de países como Cabo-Verde, deverá ser o fato de serem os locais verdadeiros onde a supremacia e abuso sobre humanos perderam terreno considerável.

Antes da auto caracterização por “badiu” ou “sampadjudu”, que o cabo-verdiano se caracterize como tal, cabo-verdiano, mas sem deixar de estar em África e sem deixar de ser, também, a representação do africano, seja ele de origem alheia ou não. Esta África, desgastada pela ambição ocidental e guerras tribais, precisa de todos os africanos.

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Redação