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Ainda o discurso de Ulisses
Ponto de Vista

Ainda o discurso de Ulisses

O cabo-verdiano é um povo sui generis. De quando em quando lá estamos nós a aplaudir feitos menores e, de repente, a criticar atitudes que nos deviam orgulhar. Amiúde, há tentativas avulsas de nos tentar condicionar o raciocínio, como se fossemos bonecos pré-programados para executar tarefas.

O discurso do primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva em inglês, na conferência Horasis Global Meeting, acabou sendo motivo de chacota nacional por causa do seu sotaque. E de chacota passou, num ápice, para argumentos flácidos de que Ulisses Correia e Silva desprezou a sua língua oficial, o português ou o crioulo, para se mostrar arrogante num palco internacional.

As críticas a Ulisses não têm qualquer sentido lógico, muito pelo contrário, revela a pobreza intelectual de certas pessoas que, sentadas no seu divã, esperam – ou procuram – qualquer lapso do Governo e do primeiro-ministro para apontar o dedo e se fazerem de juízes do tribunal popular. Tenho para mim que Ulisses fez um discurso optimista, compreensível (apesar do sotaque) e vencedor, precisamente porque tocou o coração dos presentes, que retribuíram com aplausos.

Estou, aliás, convencido de que quem divulgou o vídeo inicialmente, não o fez para criticar Ulisses, mas sim para troçar do ministro Abraão Vicente que semanas atrás havia humilhado os jornalistas porque não sabiam o inglês. Sendo o inglês um idioma estrangeiro é normal que em Cabo Verde pouca gente o entenda. E no caso do primeiro-ministro foi uma atitude ousada e plausível, pois nessa conferência internacional não havia tradutores. Ora, Ulisses foi destemido, não se acanhou perante o público que o ouvia e de forma confiante falou no seu inglês. E com eficácia.

O mais caricato nisso tudo é que muitos dos que andam a gozar com o inglês do primeiro-ministro, são os campeões do assassinato do português, sua língua oficial. Ninguém critica o mau sotaque e o pouco domínio do português dos deputados no Parlamento. Ninguém levanta do dedo indicador em riste contra o sistema de ensino que permite estudantes do básico ao universitário atropelarem a língua de Camões, sua ferramenta de trabalho. Mas a bazofaria crioula chega ao cúmulo de ridicularizar o chefe do Governo simplesmente porque não tem um inglês com british accent.

Alguém já riu do português de Angela Merkel? Ou do francês de Donald Trump? E do inglês de Xi Jinping? Seguramente que não, porquanto nas arenas onde falam em outra língua, que não a sua, estão personalidades que se preocupam apenas com a mensagem e não com a forma. O complexo do cabo-verdiano é exactamente isto: dar importância ao aspecto sem se preocupar com a essência. O caso de Ulisses é a confirmação cristalina dessa sina crioula, a ponto de muito pouca gente se dar ao trabalho de tentar entender a mensagem do primeiro-ministro. O que disse Ulisses nessa conferência? Nenhum dos seus detractores conseguem responder, porque não estavam (ou não estão) interessados em ouvir. Querem acusar, condenar, penalizar.

Neste quesito se calhar sou pouco cabo-verdiano. Mentira, sou do leque de cabo-verdianos que sabe valorizar o seu país e se orgulha de ver o seu primeiro-ministro a brilhar em palcos internacionais. Seja a falar crioulo, português, inglês ou wolof.

Palmas, senhor primeiro-ministro. Tenho orgulho em ser cabo-verdiano.

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Redação