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STRIBILIN (13ª parte)
Cultura

STRIBILIN (13ª parte)

LXV CENA

Paulito vai a uma consulta no Hospital acompanhado pelo Guarda João. Bia vai ter com ele, como é dia de visita, ela pede ao João boleia no carro da Cadeia.

BIA – João, dá-me uma boleia até a Cadeia.

JOÃO – Sobe.

O carro passa pelo Tribunal e apanha o Diretor-Geral. Pelo caminho, Bia beija Paulito, o Diretor-Geral olha através do espelho retrovisor, manda o condutor parar o carro e desce.

DIRETOR-GERAL (abre a porta traseira do Jeep) – Vá, saltem para o chão. (Bia levanta-se, um pouco embaraçada) Todos para fora do caro. Mal-educados!

João, Paulito e Bia descem-se. O Diretor-Geral volta a entrar no Carro que arranca e vai parar a frente do portão da Cadeia. Ele sai do carro e entra na Cadeia.

LXVI CENA

No gabinete do Diretor, todos os Guardas estão de pé.

DIRETOR – As vossas armas estão limpas? Têm munições suficientes? (Todos respondem SIM e ele volta para João) Deixa-me ver a tua arma! (Toma-lhe a pistola e finge inspecioná-la) O que fizeste ao Diretor-Geral?

JOÃO – Eu não lhe fiz nada.

DIRETOR – Nunca ninguém fez nada. Este mundo é tão injusto!

JOÃO – Eu vinha com o Paulito do Hospital, a Bia pediu-me boleia, pelo caminho ele mandou o condutor parar e obrigou-nos descer.

DIRETOR – Não sabes por que é que ele vos mandou descer?

JOÃO – Ele não nos disse nada. Só mandou o condutor parar, saiu do seu lugar, foi abrir a porta e mandou-nos descer.

DIRETOR – Ele disse que a senhora beijou o preso que estava no carro…

JOÃO – Eu não reparei.

DIRETOR – Tu acompanhas um preso e não prestas atenção no que ele faz? Que tipo de Guarda tu és? (Para um bocado) Diretor-Geral mandou correr contigo do trabalho…

MARCOLINO (olha para o relógio) – Já é quase hora da visita.

DIRETOR – A Bia não pode entrar na visita durante três meses. E Paulito vai ficar no Segredo durante uma semana, quando sair vai passar um mês sem apanhar Sol e três meses sem ir à visita.

MARCOLINO – Apago-lhe a luz… ou deixo acesa?

DIRETOR – Podes deixar-lhe a luz acesa… se se portar bem.

MARCOLINO – Com licença.

DIRETOR – Ah!… Também, a partir de agora, os presos estão proibidos de irem ao Hospital no carro da Cadeia. É ordem do DTG. O carro da Cadeia só fica a levar os presos para o Tribunal, quando eles vão ser ouvidos, ou quando vão para o julgamento.

CARCEREIRO – E para irem ao Hospital?

DIRETOR – Só para irem ao Tribunal.

CARCEREIRO – Sim senhor.

DIRETOR – E revistem bem os visitantes porque há presos que andam sempre bêbados cá dentro… não sei como é que permitem que grogue entre na Cadeia. (Para João) Tenho pena de ti… mas não tenho nada a fazer! Vai despir a farda e entrega ao Carcereiro. Fim do mês passa cá e vem receber o teu salário.

LXVII CENA

Os Reclusos vão à visita e cada qual senta-se num banquinho de traz ou em cima de uma lata de leite. Falam baixinho com seus visitantes que vão entrando, depois de revistados a pente fino e humilhado pelos Guardas.

RABOLINA – Coitado do João! Deus lhe há-de acautelar e que não seja corrido do trabalho!

DUCO – Não me parece que ele se safa! Esse DTG é pior do que a ferida no rabo.

RABOLINA – E como é que vou ficar a trazer-te as coisas?! Eu entrava com elas só quando João estava na porta.

DUCO – Ensino-te dois truques, que até o próprio Diretor podes dar para me entregar. São truques que aprendi na Cadeia em Portugal.

RABOLINA – Cadeia é como uma escola! As pessoas aprendem tanta coisa!… Pena é porque aprendem mais as coisas erradas!

DUCO – Coisas erradas… mas às vezes ajudam-nos a desenrascar!

RABOLINA – Diz quais são os truques?

DUCO – Quando comprares cocos para me trazeres para fazer artesanato, tira a juba com cuidado, de forma a ficar intacta, despeja toda a água e enche-o com aguardente. Tapa o buraco com uma pastilha elástica e cola a juba como estava antes.

RABOLINA – Tu sabes muito, rapaz!

DUCO – Isto é apenas um truque…

Com uma mochila ao ombro, o João despede-se de todos os reclusos.

RABOLINA (limpa lágrima) – Coitado!…

João vai dar um abraço terno ao Duco, sai e Duco volta a sentar-se.

DUCO – Ouve mais um…

Ele limpa as lágrimas

RABOLINA – Não chores. Sei que vocês eram muito amigos…

DUCO – Compra latas de sumo, fura um buraquinho no fundo, despeja todo o sumo e, com uma seringa de injeção enche novamente a lata com aguardente. Pede ao Jota que tape a lata com solda e passe lixa levezinho por cima.

RABOLINA – Jota é bom nessas coisas.

DUCO – Trazes dentro do coco, numa visita, e, em latas de sumo na outra. Eu vendo-o aqui dentro, dou-te dinheiro e trazes mais. Depois digo-te como é que vais trazer padjinha.

O sino toca para o término da visita. Rabolina e outras visitantes levantam-se e abraçam os seus maridos ou namorados lovely.

RABOLINA – Adeus!

DUCO – Adeus!

LXVIII CENA

Uma Brasileira está em lingerie, à mesa do jantar esperando que o marido chegue. O marido volta em roupa de trabalho e deixa as ferramentas a um canto. A mulher vai ao encontro dele.

BRASILEIRA – Olá, meu amô! (Abraça-o e dá-lhe beijo) Só tá chegando agora?

BRASILEIRO – Sim meu amô. Estava esperando pegá uma carona com um colega de serviço.

BRASILEIRA (dá-lhe mais um beijo) – Trabalhaste muito hoje?

BRASILEIRO – Pa caramba. Vou tomá um banho.

BRASILEIRA – Agora você não vai tomá banho não, meu amô! Vamos fazê aquilo primero.

BRASILEIRO – Assim como estou, amô?

BRASILEIRA – Estava impaciente te esperando. Vamos fazê, depois tu toma o banho e a gente vai jantá.

BRASILEIRO – Não, meu amô! Dexa-me tomá o banho primero pra me relaxá.

BRASILEIRA – Não, meu bebezinho! E bom aquecê primero antes de tomâ banho. Vem.

A Brasileira pega-lhe na mão e vão para o quarto.

LXIX CENA

Sentam-se à mesa e jantam, já com roupa de ir para a cama. Acabam de jantar, a brasileira arruma a loiça sobre a bancada da cozinha e puxa o marido para o quarto.

BRASILEIRA – Vamo deitá, meu bebezão!

BRASILEIRO – Tu não vai lavá a loiça, mulhê?

BRASILEIRA – Lavo amanhã. Agora vamo deitá e tu dorme o teu soninho.

Entram no quarto, sobem a cama e deitam. A Brasileira fica a namorar o parceiro.

BRASILEIRO – Amô, dexa-me descansá! Dexa-me dormí um poquinho.

BRASILEIRA – Tu vai dormí sem me aquilo, amô?

BRASILEIRO – Não foi há bocadinho que fizemo, meu amô?

BRASILEIRA – Vá… vá lá! Depois tu dorme à vontade. Me está apetecendo outra vez. Tu é um fofozão.

BRASILEIRO – Ma um pouquinho… depois me dexa dormí, tá?

BRASILEIRA – Tá. Depois te dexo dormí. (Apaga a luz) Vira pra mi.

Depois, a Brasileira acende a luz, senta-se em cima da cama, dá cordas a um relógio e regula o despertador.

BRASILEIRO – O que fazendo, amô?

BRASILEIRA – Às cinco e meia… está bom pra tu, meu amô?

BRASILEIRO – Cinco e meia pra quê?

BRASILEIRA – Pra tu acordares! Como tu vai trabalhá às sete… acorda às cinco e meia… aquece-me o forno antes de tomá o teu pequeno-almoço.

BRASILEIRO – E é preciso liga o despertadô?

BRASILEIRA – O seguro morre de velho, meu amô. Com o despertadô ligado, tu não corre o risco de chegá atrasado ao serviço.

BRASILEIRO – Eu só vou trabalhá à sete hora! Posso dormí até as seis e meia.

BRASILEIRA – Tá vendo! Se tu acordá as seis e meia… não sai de casa sem a gente se despedí… tu chega atrasado ao serviço.

BRASILEIRO – Ok. Tá bom. Acordo as cinco e meia.

BRASILEIRA – Até amanhã.

BRASILEIRO – Boa noite.

LXX CENA

Os visitantes compram bilhetes, passam pela revista e entram na visita. O Diretor chega, vai para o seu gabinete e chama o Carcereiro.

DIRETOR – O que se passou?

CARCEREIRO – Era por volta das nove da noite quando Marcolino mandou chamar-me porque tinha desaparecido o telefone da Secretaria.

DIRETOR – Não viram ninguém entrar, nem a sair da Secretaria?

CARCEREIRO – Acho que não. Estavam a fechar as celas e preparar para dar ordenar o silêncio…

DIRETOR – Muito bem. Suspenda a visita e chame todos os Guardas para uma reunião.

Carcereiro vai comunicar aos Guardas que mandam os presos para as celas e os visitantes embora. Alguns visitantes reclamam o dinheiro do bilhete que compraram.

DIRETOR – Como foi que o telefone desapareceu?

DJEDJE – Eu não sei, Sr. Diretor. Tinha acompanhado dois reclusos que foram deitar o lixo da cozinha que limparam, no mar, quando voltei, fui fechá-los nas suas celas e ao regressar-me a camarata encontrei Nhu Marco aflito a dizer que o telefone tinha desaparecido da Secretaria.

RUI – Eu também estava na cela das reclusas onde tinha ido ordenar o silêncio… fui fechar os presos que estavam de faxina, quando voltei vi que Nhu Marco estava preocupado. Perguntei-lhe o que tinha acontecido e disse que roubaram o telefone da Secretaria.

MARCOLINO – O telefone desapareceu de uma forma muito estranha, senhor Diretor. Sai da Secretaria e fui só fazer xixi a beira do portão, quando voltei já o telefone não estava lá.

DIRETOR – Hoje o almoço é reforçado, certo?

CARCEREIRO – Feijão pedra com carne de porco salgada.

DIRETOR – Se o telefone não aparecer até a hora do almoço, não distribuam a comida. E se não aparecer até a hora do jantar… a mesma coisa… e assim por diante. As coisas que vêm de fora não podem entrar.

CARCEREIRO – Sim, senhor.

DIRETOR – Só devem receber o mínimo de água para beber. Não podem apanhar sol, nem tomar banho se não disserem quem roubou o telefone.

DIRETOR-GERAL (entra nervoso) – O que se passa?

DIRETOR – O Sr. Carcereiro ligou-me logo cedo a dizer que roubaram o telefone da Secretaria.

Diretor-Geral olha para Carcereiro.

CARCEREIRO – A mim também foi Nhu Marco que me ligou ontem à noite a informar-me.

DIRETOR-GERAL – Enquanto o telefone não aparecer não vai haver visitas. E todos os direitos ficam à partida suspensos.

DIRETOR (para funcionários) – Ouviram. E é para cumprir.

DIRETOR-GERAL – Saída daqui da Cadeia, só se para ir ao Tribunal ou Hospital, sendo para o Hospital se o recluso estiver muito mal.

Diretor Geral vai embora e Nhu Marco Entra.

MARCOLINO – Os presos que costumam ficar abertos estão a reclamar porque os fechamos, Sr. Diretor.

DIRETOR – Eles podem continuar em regime aberto. São da minha confiança. Vai lá chamá-los para virem falar comigo. (Sai Marcolino e entra Carcereiro) Já entregaram os sacos aos presos?

CARCEREIRO – Os Guardas já vão fazê-lo.

DIRETOR – Como os visitantes já foram embora, podem entregá-los. Mas, não recebam mais nada para reclusos. (Chegam os reclusos) Tragam os sacos dos reclusos pra aqui e façam revista. Pode estar lá alguma pista que nos ajude a descobrir o ladrão do telefone. Aliás, vamos à camarata fazer revista.

Na camarata há muitos sacos no chão, cada qual com o nome do seu dono. No saco do Duco estão dez latas de 7UP.

CARCEREIRO – Este recluso bebe tanto sumo, mas cheira sempre a álcool!

DIRETOR – Abra uma lata e certificamos.

Carcereiro abre uma lata, todos aproximam o nariz e cheiram.

DJEDJE – Cana-cana, senhor Diretor!

DIRETOR – É aquele recluso que veio repatriado de Portugal?

MARCOLINO – Sim, senhor. É o Duco.

DIRETOR (para Carcereiro) – Mande-o fechar na Cela Disciplinar, meia-noite venham todos, eu também estarei cá, dar-lhe-emos tratamento.

MARCOLINO – Não lhe vamos fazer nenhuma cocegazinha, já?

DIRETOR – Agora não. Fechem-no sem roupa e apaguem-lhe as luzes. Nas duas primeiras semanas só tem direito a comer um pão por dia com um litro de água. A partir daí, durante um mês, podem dar-lhe duas refeições por dia, à vossa escolha. O outro mês e meio ele pode receber refeições normais e tomar dois banhos por semana.

CARCEREIRO – Vai lá ficar três meses?

DIRETOR – Se se portar convenientemente.

CARCEREIRO – Rui, vai lá buscá-lo e fecha-o na cela disciplinar.

DIRETOR – Avisem os outros Guardas e os Polícias que vou estar cá hoje depois da meia-noite e que preciso deles.

CARCEREIRO – Nhu Marco, avisa os Polícias que o Sr. Diretor vem cá hoje meia-noite e que precisaremos da colaboração deles.

LXXI CENA

Três dias depois, no gabinete do Diretor.

DIRETOR – Como está o Duco?

CARCEREIRO – Ainda está deitado no chão, no mesmo sítio e na mesma posição a gemer.

DIRETOR – Ele há-de aprender. Há-de saber que quem brinca com abelha leva ferroada.

CARCEREIRO – Acho que ele ficou com algumas mazelas, Sr. Diretor. Desde anteontem ele não comeu nada. Estão lá ainda os três pães e os três litros de água que lhe levamos. Não tocou neles e está deitado do mesmo lado que o pusemos.

DIRETOR – Está a fazer manha para ver se o tiro de lá.

CARCEREIRO – Não me parece, Sr. Diretor. A bastonada que o Rui lhe deu na nuca… deve ter-lhe prejudicado.

DIRETOR – Achas?!

CARCEREIRO – Tenho quase a certeza.

DIRETOR – Então trá-lo cá.

O Carcereiro sai e volta com o Duco muito maltratado. Vestido apenas com calções molhados, encrostado de sangue pelo corpo, anda apoiado ao Carcereiro e às apalpadelas. Está cego.

CARCEREIRO – O rapaz deve ir ao Hospital, Sr. Diretor.

DIRETOR – Então, bebedor de sumo… o que é que estás a fingir?

DUCO (a gemer) – Não sei… dói-me a cabeça… não estou a ver nada.

DIRETOR (meio preocupado) Queres ir ao Hospital?

DUCO (a gemer) Quero… quero ir sim, senhor.

DIRETOR Leve-o para cela, mande os reclusos dar-lhe um banho e mudar-lhe de roupa. Depois chame o condutor e leve-o ao Hospital. (Carcereiro e Duco saem) Sr. Carcereiro!

CARCEREIRO (para Duco) – Espera-me aqui, Duco. (Duco encosta à parede e o Carcereiro entra no gabinete) Sim… Sr. Diretor.

DIRETOR – Diga no Hospital que foram os reclusos o agrediram e que se não fossem vocês a chegar a tempo eles o matariam.

CARCEREIRO – Sim, senhor.

DIRETOR – E vou já providenciar junto ao Tribunal a sua liberdade condicional.

CARCEREIRO – Ele já cumpriu metade da pena.

DIRETOR – Eu sei. Ele já cumpriu mais de metade da pena. Há um ano que me entregou o pedido, pus por lá. Vou agora ver se ele sai de lá do Hospital para a casa.

CARCEREIRO – Não vem ficar aqui exposto aos olhos dos malvados reclusos.

DIRETOR – Vou telefonar para o Tribunal e pedir-lhe para despacharem rápido o processo dele. Darei boas informações e o Ministério Público não irá hesitar.

CARCEREIRO – Com licença.

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Redação