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Por que Amadeu insiste em denunciar Ary Santos? Saiba as razões e como o país perdeu milhões
Sociedade

Por que Amadeu insiste em denunciar Ary Santos? Saiba as razões e como o país perdeu milhões

A trama, segundo Amadeu Oliveira, envolve crime organizado, introdução de falsidades em processos judiciais, arresto de barcos e recuo de investidores estrangeiros, com consequências nefastas para a credibilidade de Cabo Verde como Estado de Direito, prejuízos para empresas nacionais e estrangeiras, degradação do ambiente de negócios, além do decaimento técnico e moral do sistema judicial.

Nota prévia: o advogado Amadeu Oliveira queixou-se do juiz Ary Spencer Santos desde 2018, mas o processo foi arquivado pelo procurador Osmar Santos na fase de instrução. Inconformado, apresentou esta segunda-feira, junto da Procuradoria Geral da República, um pedido de Intervenção Hierárquica a solicitar a revogação do despacho de arquivamento, ao mesmo tempo que pede o afastamento do representante do Ministério Público do processo e reforça as acusações contra o juiz Ary Santos, a quem aponta o dedo por ser "manipulador de processos”, "prevaricador” e de até ter "comandado o assalto" ao seu escritório de advocacia, "para roubar uma base de dados que se encontrava armazenada num disco externo".

Mas afinal, de que reclama Amadeu Oliveira e que terá em Ary Spencer Santos, juiz membro do Conselho de Magistratura Judicial, o principal protagonista? Que processo é esse que lesou investidores estrangeiros e até o próprio Estado?

Tudo inicia no ano 2000, quando uma empresa de nome "Bom Peixe" começou a operar no sector das pescas, "um disfarce", de acordo com o causídico, para disfarçar o 'main role' do grupo, "a prática do crime organizado". Conta Oliveira ao mindelinsite.cv que, para ludibriar as autoridades, bancos e outros investidores, a "Bom Peixe", que a seu ver tinha "protecção, por acção e por omissão, do tribunal do Sal ", emitia facturas falsas para levar o Tribunal a decretar o arresto judicial de dois navios de pesca de longo curso, “Zé Ginja” e “Conchinha”, que operavam nas águas de Cabo Verde e estavam baseadas na ilha do Sal.

“A empresa falsificou facturas no valor de 60 mil contos. Com base nestas facturas, pediu ao Tribunal do Sal o arresto destes dois barcos por alegadas dividas não pagas. Depois de os navios estarem arrestados por ordem do Tribunal que decidiu com base nas facturas falsificadas, os criminosos passaram a chantagear e a extorquir dinheiro aos donos dos navios, afirmando que tinham boas conexões com gente poderosa, incluindo Magistrados e Políticos, e que, portanto, se não pagassem o dinheiro que estava a ser pedido, então os navios ficariam arrestados até irem ao fundo. Aliás, um dos Navios, o “Zé Ginja”, acabou por se afundar dentro da baía da Palmeira, onde se encontra afundado, até aos dias de hoje; Nesse caso o Tribunal foi usado como instrumento do crime organizado para extorquir dinheiro a investidores estrangeiros. Acontece que o Juiz Dr. Ary Santos estava na posse de todas essas informações, mas deixou o processo parado entre 2008 até ser transferido do Sal, em 2014, sem dar nenhum despacho relevante, protegendo essa empresa Mafiosa, por acção e por omissão, enquanto que os criminosos continuaram na sua acção de tentar extorquir dinheiro ao donos dos Navios”, explicou Oliveira ao diário digital sedeado no Mindelo.

Já em relação ao navio “Chochinha”, disse Amadeu Oliveira, esteve onze anos onerado por decisão do Tribunal do Sal, até que foi libertado em 2016. Entretanto, escreve o referido jornal, "desde de 2014 que Oliveira terá apresentado uma queixa crime junto da Procuradoria da República a que coube o Nº 411/2014, mas até a data de hoje, ninguém foi preso, nem se deduziu a devida acusação pública contra os criminosos que sempre foram identificados, havendo entre eles um Ex-Juiz, Dr. Agnelo Tavares, e que na altura desempenhava funções de Advogado desse grupo Criminoso".

Trocando por miúdos, Amadeu Oliveira acredita que o juiz Ary Santos "sabia que o barco estava judicialmente onerado e, pese embora os requerimentos, protestos e reclamações, nunca tocou no processo e quando despachou um processo movido pelo Ministério Público (Procuradores Dr. José Carlos Correia e Dr. Vital Moeda Filho) o Juiz Ary declarou, falsamente, que aquela empresa Mafiosa Bom Peixe já não existia, quando, nesse mesmo dia que afirmava que essa sociedade não exista, esse mesmo juiz tinha sob a sua responsabilidade o processo de arresto do navio Chochinha que continuava onerado a pedido dessa sociedade que ele dizia não existir".

"Trata-se, pois, de uma contradição insanável, pois, se essa empresa não existia, então não se compreende que esse mesmo Tribunal continue onerando um navio que valia cerca de um milhão de dólares a pedido dessa mesma empresa. Por outro lado, se o próprio Ministério Público, através do Procurador Dr. José Carlos Correia tinha instaurado um processo de dissolução dessa sociedade, como poderia o Juiz afirmar que aquela sociedade já não existia? Acresce que nessa mesma altura o Supremo Tribunal de Justiça tinha emitido uma declaração de dívida contra essa empresa no valor de algumas centenas de contos, e que Ministério Público, através do Procurador Dr. Vital Moeda Filho tinha instaurado uma execução contra essa empresa, então como poderia o Juiz Dr. Ary Santos afirmar, para proteger essa empresa, que ela já não existia. Ora, qualquer criança consegue ver que as coisas não batem certo nesse jogo de faz de conta para proteger malfeitores e prejudicar o Estado e o tecido empresarial nacional e estrangeiro que quer operar em Cabo Verde. Enquanto isso, os donos dos navios estavam a ser extorquidos por pessoas que falsificaram as facturas”, revelou, desta vez ao Santiago Magazine.

Por causa disso, Ary Spencer Santos "chegou de ser constituído como arguido pelo crimes por supostos crimes de Inserção de Falsidades em Processos, Denegação de Justiça e Prevaricação d magistrado, devido as seus actuações e omissões, supostamente, fora do quadro legal vigente e sempre a favorecer essa empresa Mafiosa designada por Bom Peixe".

Segundo Oliveira, essa aludida empresa era comandada, a partir de 2004, por um ex-Juiz, Dr. Agnelo Martins Tavares, por sinal irmão do então PGR, Júlio Martins, actualmente emigrado em Timor Leste. Oliveira acrescenta que, "antes do ex-juiz escapulir para Timor Leste", ele ainda terá "coordenado a venda de um terreno por 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), com base em falsificação de actas de Assembleia Geral de uma outra empresa, a SALMAR”.

Amadeu Oliveira insiste em denunciar esse caso, porque, afirma "não se pode continuar aceitando que o tribunal seja transformado num instrumento para cometer fraudes, burla e extorsão de dinheiro contra o tecido empresarial, contra o investimento estrangeiro, contra os interesses do Estado e contra cidadãos indefesos. Estamos assistindo a um terrível desvio de finalidade, em que o Poder Judicial foi colocado ao serviço de tenebrosos interesses privados em vez de ser em defesa dos legítimo interesses nacionais, dos cidadãos e das empresas, em estrita observância dos ditames constitucionais".

E como que a "coroar" todo esse bloqueio judicial, e que para Oliveira é o mais revoltante, "é que agora o Procurador da República, Osmar Santos, mandou arquivar a instrução desse processo alegando que os eventuais crimes de Inserção de Falsidade nos Processos e os crimes de Denegação de Justiça já terão prescritos, desde 2016, pelo que nada mais se poderá fazer contra um juiz que actua desta forma tão ilegal e desonesta".

E prossegue: "Também é revoltante que a Procuradoria da República nada tenha feito contra as entidades que ousaram falsificar facturas em largos milhares de contos, para serem usadas como fundamento para o Tribunal arrestar navios pesqueiros de logo curso, até que um dos navios foi ao fundo, enquanto estava sob custódia judicial e o outro navio demorou 11 anos para ser libertado. Entretanto, agora, já ninguém quer analisar a questão das facturas falsificadas que a Procuradoria Geral da República, através do Procurador Dr. Osmar Santos, está ensaiando branquear para ilibar o Juiz Ary Santos, depois de terem deixado o ex-Juiz Dr. Agnelo Tavares escapulir para Timor Leste, num quadro de total impunidade e de crime organizado à sombra do Aparelho Judiciário. É necessário não esquecer que esse juiz Dr. Ary Spencer Santos é membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial“ que, teoricamente, é o órgão de gestão e de disciplina da Magistratura Judicial. Assim, a questão que fica é como que um juiz que não tem pejo de protagonizar tais fraudes judiciais poder ter moral para exercer poder disciplinar sobre os demais juízes?", questiona, incrédulo, Amadeu Oliveira, que diz não entender a passividade do PGR, do Presidente da República e do presidente do CSMJ perante todos os esses casos que vem denunciando há algum tempo.

Segundo Amadeu Oliveira, de tão desanimados os investidores proprietários dos barcos arrestados acabaram por desistir dos seus projectos em Cabo Verde e retornaram aos seus países, perdendo mais de dois milhões de euros, atitude que, garante o advogado contestatário, afecta o próprio Estado que perde investidores e milhares de contos em investimentos estrangeiros futuros. Aliás, além do prejuízo de um milhão de dálares (100 mil contos) causado pelo afundamento do navio "Zé Ginja" no porto da Palmeira, os proprietários também ficaram sem as suas casas, em Sesimbra, Portugal, já que deixaram de poder cumprir com os compromissos com a Caixa Geral de Depósitos, e o banco estatal português acabou ficando com essas residências, mais um motivo de revolta pela forma como a justiça cabo-verdiana funcionou no tratamento desse dossier.

Oliveira diz ter todas as provas que incriminam o juiz Ary Spencer Santos e, apesar de afirmar temer pela sua vida, mantém-se firme na sua luta até que toda a verdade venha à tona e a Justiça, de jure, funcione. Mais, promete fazer chegar essas trafulhices na justiça cabo-verdiana - " aminha maior revolta, no seu dizer" - a todas as instituições e entidades nacionais e estrangeiras.
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