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Wladimir Brito. “Pina Delgado não deveria julgar SOFA"
Política

Wladimir Brito. “Pina Delgado não deveria julgar SOFA"

Para este constitucionalista, o presidente do Tribunal Constitucional apresentou um “argumento frágil” para recusar o pedido de escusa do juiz Pina Delgado por já ter dado, em 2011, um parecer contra o SOFA, pago pelo anterior Governo. Brito também mantém-se contra este Acordo militar entre Cabo Verde e os EUA.

O constitucionalista Wladimir Brito considera que o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, José Pina Delgado, “esteve bem” em pedir para não participar no processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade” de certas normas constantes do Acordo Militar entre Cabo Verde e os EUA, conhecido pela sigla SOFA – note-se que Pina Delgado, ainda antes de o TC existir, emitiu em 2011 um parecer sobre o assunto e pago pelo o Governo anterior e no qual se posicionou contra, mas o presidente do TC, João Pinto Semedo, indeferiu o pedido, alegando que tal parecer de Pina Delgado “não constitui impedimento nem tão-pouco motivo para ser dispensado de intervir”.

Mas não é assim que pensa o “pai da Constituição” cabo-verdiana. Em entrevista à agência Inforpress, Wladimir Brito, comentou que do ponto de vista ético este juiz conselheiro esteve bem. Porque, lembrou, a um juiz pede-se a “máxima eticidade”, além de honorabilidade pessoal e institucional.

“Quando o actual juiz, pessoa que considero imenso, meu colega e amigo, Doutor Pina Delgado, teve a seriedade de pedir recusa, porque sente que, de facto, não está em condições de julgar um caso sobre o qual já se pronunciou previamente, não se compreende como que se recusa (o pedido) com o fundamento de que ele se pronunciou antes do caso e, portanto, agora pode fazer isso”.

No entender de Wladimir Brito, o juiz conselheiro Pina Delgado não devia participar no processo do caso SOFA e até considera “frágil o argumento” do presidente do TC. Estabelecendo um paralelismo entre este facto e uma sobrinha que foi sua aluna na Faculdade de Direito, assegurou que sempre recusou a fazer-lhe exames, porque por “mais imparcial que fosse” correria o risco de ser julgado como sendo “parcial”.

Na sua opinião, no caso do juiz Pina Delgado, de duas uma: “Ou o senhor juiz vai manter a sua posição inicial dizendo que isto é inconstitucional e já sabemos a decisão, ou vai mudar de posição, o que é muito difícil porque o SOFA não mudou”.

“Tendo três juízes, faltando um por doença ou escusa, o Tribunal fica parado”, ressaltou Wladimir Brito, professor catedrático jubilado da Universidade do Minho, Portugal.

A seu ver tudo isto acontece porque o TC cabo-verdiano começou mal. “Sempre fui contra o Tribunal Constitucional, mas a ser instalado nunca deveria ter menos de cinco juízes”, admitiu, defendendo que se deve “repensar a composição” do TC, sob pena de acontecerem fenómenos como o caso do juiz conselheiro José Pina Delgado.

Questionado sobre a decisão do Presidente da República de ratificar o SOFA, Brito mostrou-se convencido de que foi mais por uma questão política do que técnica. “O Presidente da República, como sabemos, é um grande jurista e um colega distinto que tive desde a faculdade e de quem sou amigo pessoal há muitos anos. Como chefe de Estado não pode despir a sua qualidade de jurista, como é evidente. Na minha opinião, tudo aconselhava que requeresse a fiscalização preventiva, de modo a ratificar ou não com fundamentos constitucionais”, comentou, concluindo que não viu no SOFA os argumentos de que serviu Jorge Carlos Fonseca para ratificar o referido acordo.

E garante que se estivesse no lugar de Jorge Carlos Fonseca não ratificaria o SOFA antes de ouvir o Tribunal Constitucional.

Wladimir Brito afirmou que “não obteve respostas” do Governo sobre as perguntas em relação a alguns pontos do SOFA, sublinhando, contudo, que “não esperava que o Governo respondesse porque, nessas questões, normalmente os governos não respondem publicamente e, muito menos, privadamente”.

Entretanto, acrescentou que as suas perguntas tinham como móbil “alertar” às comunidades cabo-verdianas residentes nas ilhas e na diáspora, sobre os efeitos que um acordo daquela natureza pode ter no país.

Conforme esse professor catedrático, as perguntas são dirigidas ao Governo para, de certo modo, “suscitar a todos os cabo-verdianos a questão de saber o que vai acontecer quando isso (acordo) começar a funcionar a sério”.

“O Governo tem que ter respostas para evitar, por exemplo, o que se passou nos Açores, onde não há SOFA, porque o acordo é completamente diferente. Depois da sua saída os norte-americanos deixaram o solo contaminado e ainda não foram lá limpar”, sublinhou.

Entende que todos os acordos militares feitos entre países muito poderosos e os fracos, como é o caso de Cabo Verde, criam “sérios riscos para os mais fracos”, porque, justifica, o acordo “é sempre a favor do país mais poderoso, seja ele os Estados Unidos, a China a Rússia, a França ou a Alemanha”.

“Chamamos acordo ao SOFA, mas, no fundo, é uma concessão que o Governo de Cabo Verde confere às Forças norte-americanas, porque não há nada em troca”, salientou Wladimir Brito, explicando que um acordo implica uma “relação de dar e receber qualquer coisa”.

Segundo ele, uma leitura ao SOFA vê-se que “não há rigorosamente nada oferecido aos cabo-verdianos”.

“Há pontos do SOFA que considero inconstitucionais e, por regra, não faço as coisas levianamente”, apontou o constitucionalista, para depois esclarecer que, em primeiro lugar, o “objectivo essencial do Sofa é uma base militar, qualquer que seja a natureza, e, em segundo, porque não respeita a reciprocidade” e a Constituição do país, prossegue, prevê que, nas suas relações internacionais, o “Estado rege por princípios da reciprocidade”, o que não existe no caso do acordo assinado com os EUA.

Na sua perspectiva, é “demasiadamente ofensivo, se quisermos, da soberania jurisdicional cabo-verdiana”.

“Não sou defensor de uma soberania absoluta, mas há um mínimo que a Constituição tem de garantir do ponto de vista de soberania territorial, sob pena de as constituições não prestarem para nada”, indicou, ajuntando que a lei magna cabo-verdiana não permite a existência de bases militares no arquipélago.

Neste momento, decorre no Tribunal Constitucional (TC) um processo de fiscalização sucessiva de algumas normas constantes do SOFA, cabendo, por sorteio, ao juiz conselheiro Aristides Lima o papel de relator.

SM/Inforpress

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Redação