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Branqueamento ou lavagem. Qual a terminologia correta?
Ponto de Vista

Branqueamento ou lavagem. Qual a terminologia correta?

Nos dias de hoje, em que o crime da conversão de capitais ilícitos em bens aptos a integrarem o circuito económico legal está na mira dos holofotes da mídia, é cada vez mais patente a necessidade de um certo rigor terminológico na denominação do fenómeno criminal em causa. Nota-se uma desorientação dos profissionais da comunicação social em relação à terminologia correta a usar para denominar o referido crime. Há quem opte por “lavagem”, outros por “branqueamento”, e há quem opte por usar as duas terminologias em simultâneo “branqueamento/lavagem”. Também se depara com tal desorientação no seio da comunidade jurídica. À título de exemplo, cita-se o Acórdão do STJ de 27/04/2009 (disponível em http://jurisprudencia.cv/juris/JURIS:CV:STJ:2009:548/, consultado 14/02/2020), em cuja descrição sumária, fala-se em branqueamento/lavagem de capitais.

Ora, face à esta “desorientação”, almejando dar o nosso pequeno contributo para o aprimoramento do rigor terminológico que se requer, escrevemos este texto, tentando esclarecer sobre a origem e os fundamentos dos termos “branqueamento” e “lavagem”.

Não obstante de o fenómeno criminal em questão ter longa idade, pois, como nos escreve Luís Pinheiro, “os senhores do crime sempre procuraram dar uma aparência de legalidade aos frutos da sua atuação criminosa...” (PINHEIRO Luís, 2002, p. 604), as terminologias “branqueamento” ou “lavagem” só surgiram nas legislações portuguesa e cabo-verdiana respetivamente, nos inícios da década de 90 do século passado. Aqui importa referir que, as terminologias em português (refere-se a branqueamento e lavagem) não foram criações próprias nem do legislador português, nem do cabo-verdiano. Ambas as terminologias tiveram a sua origem na expressão inglesa “money laundering”.

Já quanto à esta expressão inglesa, diz-se que foi empregue pela primeira vez nos EUA nos anos 30 do século passado, para referir às atividades ilícitas do famigerado criminoso Al Capone, que comprara na altura uma rede de lavandarias públicas naquele país, para depois misturar os lucros daquelas lavandarias (que funcionava com moedas) com os lucros da sua atividade criminosa, dando assim uma aparência de licitude aos seus proventos do crime (neste sentido, também PINHEIRO Luís Goes, 2002, p. 603; GODINHO Jorge Alexandre, 2001, p. 26, etc.).

Ora, laundering vem do verbo to launder, que traduzido para português significa lavar.

Volvidos algumas décadas depois do caso de Al Capone, ainda depois de Itália na década de 70 ter criminalizado o fenómeno em comento, sob a designação de reciclaggio, os EUA introduzem o money laundering na sua legislação em 1986. É esta criminalização do money laundering nos EUA que veio a influenciar e desencadear a posterior criminalização, digamos, global deste fenómeno criminal, através da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico de drogas de 1988. Como consequência da ratificação da referida Convenção, os países signatários, como é o caso de Portugal e Cabo Verde, contraíram a obrigação de também tipificar nas suas leis internas o money laundering. Portugal optou por usar a expressão “branqueamento de capitais” e Cabo Verde “lavagem de capitais”.

Para justificar a opção portuguesa, transcrevemos as palavras de Jorge Godinho, segundo o qual, a expressão branqueamento “se trata de uma gíria de forte poder sugestivo, porquanto assenta em metáforas relativas a cores ou graus de “limpeza”: o que é “branco”, “limpo” ou “claro” opõe-se ao que é “negro”, “sujo”, “escuro” ou pelo menos “cinzento”. “Branquear” bens será tornar aparentemente lícitos objetos que têm, na verdade uma origem ilícita.” (GODINHO Jorge Alexandre, 2001, p. 27). Ainda segundo este mesmo autor, “branqueamento é o processo técnico pelo qual se obtém a descoloração de matérias corados”.

Em outras instâncias, nós temos descordado profundamente com esta ideia, pelos fundamentos que passamos a expor. Em primeiro lugar, “descoloração” não é sinónimo de “limpar”, nem é antónimo de “sujar”. Não se descolora o que está sujo, mas sim o que tem cor escuro, e não se diz limpo à matéria descolorada. Uma coisa suja é lavada para se tornar limpo e não branqueada. Com base nesses fundamentos, nós defendemos que a expressão “branqueamento” não reflete nitidamente a ideia subjacente de um processo de dar aparência de lícito à bens de origem ilícita.

Em Cabo Verde, apesar da forte tendência de fazer transposição de leis portuguesas, neste caso concreto, optou-se pela terminologia “lavagem”, seguindo desta feita a opção brasileira. O legislador brasileiro na fundamentação da sua opção pelo termo “lavagem”, explica que esta opção “prende-se com o facto de a mesma já estar consagrada no glossário das atividades financeiras e na linguagem popular, em consequência de seu emprego internacional money laundering, e também pelo facto de a denominação “branqueamento” sugerir inferência racista do vocábulo, o que motiva estéreis e importunas discuções.”

Ora, aqui chegados, já com base suficiente, podemos responder a nossa pergunta inicial. “Branqueamento de capitais” é a expressão usada pelo legislador português para traduzir a expressão inglesa “money laundering”, sob o fundamento que expomos, de que branco é sinónimo de limpo, com qual não concordamos.

Em Cabo Verde a expressão correta é “lavagem de capitais”, em primeiro lugar por ser a expressão adotada pelo nosso legislador. Em segundo lugar, fora o respeito que devemos ter pelo nosso legislador e soberania do nosso país, devemos optar pela terminologia “lavagem”, também por ser a expressão que melhor traduz “laundering”, que como dissemos, significa lavar.

Não cabe dizer branqueamento/lavagem de capitais. Isso parece-nos ser uma redundância

A expressão correta em cabo Verde, e usada pelo nosso legislador é “lavagem de capitais”.

Nilton Mendes da Silva

Jurista, mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2018-2020).

Email: nilton.silva@mail.ru

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SOBRE O AUTOR

Redação