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Não vivemos da Ideologia, mas ela chega à nossa mesa
Colunista

Não vivemos da Ideologia, mas ela chega à nossa mesa


Debater a ideologia, de per si, unicamente no campo conceptual, teórico ou semântico, pode ter interesse para académicos, cientistas políticos, políticos e para mais uma ou outra franja da sociedade, mas, para a grande maioria das pessoas, dos cidadãos comuns, não passa de um mero, senão banal, exercício excessivamente teórico, para não dizer, inócuo mesmo.

Pois, creio que, com o devido respeito, uma parte considerável dos cidadãos não têm a noção exata do que é a ideologia. Por conseguinte, não estão preocupados em distinguir a matriz ideológica de cada um dos partidos da nossa praça, podendo induzir-nos a pensar que estão-se nas tintas para este conceito, que, para muitos, é apenas mais um daqueles termos utilizados pelos políticos e que fazem parte de um repositório de jargões que enfeitam os discursos políticos. No fundo, as pessoas não querem saber, nem perceber, de ideologias, uma vez que esta temática, para muitos, não é prioridade e nem lhes aguçam o interesse, o suficiente.

Todavia, no pensar da grande maioria, senão de todos, o fundamental são os resultados das medidas das políticas implementadas pelo governo. São estes resultados que, para o bem ou para o mal, têm impacto na vida das pessoas. Estas preocupam-se com o emprego, com os lucros dos seus negócios, com os seus rendimentos, que querem sempre ver aumentados, em última instância, querem ter maior poder de compra, querem que o Estado cumpra com a sua nobre missão na educação, na saúde e na melhoria da sua qualidade de vida.

Do nosso ponto de vista, o fim último almejado de ver melhorada a qualidade de vida consegue-se em consequência da implementação de medidas de políticas constantes do programa do governo, concebido e inspirado no manifesto eleitoral, sufragado nas urnas e cujas propostas refletem profundamente a ideologia do partido proponente.

Logo, a conclusão imediata a tirar é a de que a ideologia parece ser uma chatice e não ter nada que ver com a nossa vida e podemos, inclusive, afirmar que não vivemos da ideologia, embora se reconheça que ela está, com certeza, a toda hora presente na nossa vida, pois, indiretamente, acaba por chegar à nossa mesa, à educação dos nossos filhos, à nossa carreira profissional e a demais assuntos da vida de cada um. Por isso, devemos todos por ela se interessar, mesmo que não seja para fins académicos.

Em Cabo Verde, temos dois partidos do arco do poder: o PAICV e o MpD, cada um com a sua identidade ideológica. O primeiro diz-se de esquerda, o segundo diz-se do centro. Não é indiferente estar um ou outro no governo por mais que uns e outros, por motivos que não importa aqui explorar, tendam a fazer crer que ambos são farinha do mesmo saco. Não obstante o enfraquecimento, ao nível mundial, da importância das ideologias na definição das bandeiras dos partidos políticos, em face de um maior pragmatismo eleitoral que a dita estratégia “catch all” impõe com o fito de «tudo abranger e tudo apanhar”, pode notar-se, porém, muitas diferenças ideológicas e substanciais entre o MpD e o PAICV, as quais podem ser visitadas e confrontadas a qualquer hora.

Dos nossos 40 anos de independência, podemos analisar o período do partido único do PAIGC/CV, de 1975 a 1991, e a nova conjuntura democrática desde 1991 a esta parte, em que o MpD esteve no governo de 1991 a 2001 e, agora, de 2016 a esta parte, enquanto o PAICV governou de 2001 a 2016.

Em concreto, podemos colocar em confrontação estes períodos, questionando, por exemplo, em qual deles a economia era planeada e estatizante e em qual deles também foram implementadas as grandes reformas que levaram à refundação do modelo cabo-verdiano da economia no qual o sector privado ocupou um lugar central, sem prejuízo para o papel do Estado.

Igualmente, podia-se questionar os resultados económicos de cada um destes modelos económicos. Enquanto o paradigma estatizante e dirigista do PAICV estagnou a economia, fabricou pobres, gerou misérias e pobrezas, socializadas num esquema que de distribuição nada comportava senão colocar na sua dependência todos os cabo-verdianos, o modelo de economia de mercado do MpD produziu riquezas, igualdade de oportunidades e prosperidade. Basta isto para mostrar que ambos não cabem no mesmo saco porque são diferentes no pensar e na forma de fazer as coisas.

Podia-se, ainda, questionar que partido que, em face da sua ideologia, define políticas sociais que visam a erradicação da pobreza, ao contrário de outros que não têm este fim, optando para uma clara gestão eterna da mesma.

Em termos marcadamente ideológicos, as diferenças não se esbatem por aqui. O PAICV via a ideologia como um sistema de pensamento, de crenças e de valores, cujo fim último era o de transformar a condição humana dos cabo-verdianos, tornando estes um homem só, como se tal desígnio fosse possível. Do lado do MpD, as coisas não são assim. A ideologia serve para unir os cabo-verdianos em torno dos seus magnos ideais, nomeadamente a liberdade, a democracia, a tolerância, o respeito pela opinião contrária, o pluralismo. Em suma, o respeito pelo homem cabo-verdiano, moldado por uma nação quinhentista.  

Com base num questionário mais ou menos exaustivo, creio que rapidamente se consegue definir o mapa genético destes dois grandes partidos do nosso mercado político e aquilatar quem é quem, isto é, ao longo da nossa história de país livre, independente e democrático quem mais e melhor contribuiu para a felicidade dos cabo-verdianos e daí concluir que ideologia/partido tem sido mais amigável para Cabo Verde e para os cabo-verdianos.

O pragmatismo ideológico é o caminho a seguir e em Cabo Verde o MpD é o único  partido que desde a sua fundação privilegiou tal caminho e conseguiu excelentes resultados para os cabo-verdianos das vezes que esteve no governo.

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SOBRE O AUTOR

Emanuel Barbosa