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António Vieira Monteiro ou António Aleluia, um grande cabo-verdiano
Colunista

António Vieira Monteiro ou António Aleluia, um grande cabo-verdiano

Aos setenta e três anos, mais uma vítima de enfarte seguido de AVC, sai de nosso convívio cotidiano, de forma eterna, aquele que eu e muita gente consideram ter sido uma referencia de cidadão cabo-verdiano e santiaguense: António Aleluia, ultimamente residente em Pensamento, mas também achadinhense de gema, defensor das causas e acérrimo participante da concretização de muitas delas em prol do desenvolvimento das comunidades a que esteve ligado.

Conheci António desde anos sessenta, altura em que laborava em oficina de sapataria (antes trabalhara numa de carpintaria) e brilhava na confeção de bolas de futebol que pareciam ser mais perfeitas do que as importadas) e que eram ostentadas nas montras de Galerias de SERBAM, na altura um dos mais belos centros comerciais da região da nossa Africa Ocidental (cabuverdianu e bazofu, si ki nu ta flaba);

Por essa altura, ele e mais rapazes da Achadinha fundaram a equipa de futebol, Boca Juniors que evoluiu para Argentina altura em que o fenomenal campeonato de futebol de equipas de subúrbios da nossa cidade passaram a ostentar nomes de equipas da américa latina e europeias como Santos da ASA (a melhor equipa de então, a meu ver), Chile (do bairro), Uruguai (do Plateau), Braga (da Várzea), México (do Paiol), Holanda (Lém Cachorro) , Portugal (Vila Nova ou será Fazenda?), etc. Nessa equipa pontificavam nomes como Mario Tili, Gamboa, Djony Manhana, Dju do Bairu, Mateus, Totó, Carlinhos Nha Bododja, Noku Batibamba etc. Ntóni d`Aleluia era, para além de fundador, um dos mais proeminentes jogadores dessa equipa e um dos seus capitães mais marcantes e carismáticos.

Aliás, o campo de futebol da Achadinha, na altura um dos melhores a nível dos bairros e muito frequentado para treino por partes de outras equipas, esteve sempre na mira de particulares, primeiramente, e de governos/autoridades locais da época, mais tarde, para desativação de forma a se instalar infraestruturas de educação, mercado alimentar e outras que não haviam na Achadinha e não havia terrenos alternativos para tal. Ntóni, na altura, era um dos principais defensores do campo, tendo participado em inúmeras ações de obstrução de obras que foram iniciadas, mas não implantadas por causa da valente intervenção, na calada, do povo da Achadinha com participação / coordenação de N`tóni d`Aleluia.

Mas é digno de menção que quando chegou o projeto PROMEBAD, no fim dos anos 70, coordenado por Bettencourt, Ntóni foi um dos primeiros a reconhecer que era chegada a hora da desativação do campo, para dar lugar á implantação de uma série de infraestruturas como o liceu, polivalente, jardim infantil, mercado alimentar e sala de reuniões da comunidade. O projeto financiava boa parte das obras mas requeria co-participação das comunidades, com mão de obra. Aí Ntóni participou connosco na apanha de pedras na Achada Forte de Cidade Velha e, quando as obras iniciaram, lá estava Ntóni a participar na execução de várias tarefas das construções.

Eu mesmo, cheguei na altura, a indagar ao N`toni sobre o quê que ele não sabia fazer (ele operava e concertava motos e fez a sua casa quase sozinho)! Porque na verdade fazia tudo sendo que vontade e sentido de solidariedade não lhe faltava para o efeito!

No entanto, o grande feito de N`tóni viria depois, na minha opinião: boa parte das últimas décadas dedicou-se á colaboração na gestão de ativos do Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade, particularmente das instalações no S.Jorginho, espaço outrora tão caro aos praienses e residentes em Santiago em geral. Partilhámos juntos a amargura pela degradação desse ativo - S.Jorjinho - e mais amargurado ficámos com a não aprovação do ambicioso projeto de reabilitação/qualificação, particularmente na vertente para formação profissional que Lima de S.Domingos e outros submeteram e discutiram com o Governo anos atrás. N`tóni morre com essa amargura, mas nunca foi um homem amargurado aliás, Janira H. Almada acertou quando descreveu-lhe como um homem de pouca fala mas que ostentava um «permanente sorriso meigo» para com as pessoas, refletindo a enorme generosidade e sentido de esperança que impendia naquilo que realizava e expressava.

É esse Ntóni que eu conheci: sempre preocupado com as coisas da vida no país e a participar em melhorá-las, mas nunca o vi, apesar de conhecer a sua simpatia e militância partidárias, a barganhar, impor ou ostentar desenfreadamente as suas convicções políticas como quase todos fazem na política, o que o fez ganhar a minha plena admiração.

Proponho, por conseguinte, que pelo menos, a rua da Achadinha onde viveu boa parte de sua vida ou a Avenida de Pensamento na cercania da qual viveu os últimos anos ou ainda as futuras instalações requalificadas e/ou qualificadas de S.Jorginho, venha a levar o nome de António Viera Monteiro - N`toni Aleluia.

Proponho igualmente que, á semelhança das outras patologias como a do câncer, a de AVC mereça urgentemente, um centro próprio com meios e capacidade médica para atender de imediato as situações emergenciais de ambulâncias, mas também de intervenções operatórias a ver se diminuímos a mortalidade, quase sempre fatal, que tem caraterizado os que sofrem ataques, particularmente da AVC.

Descansa em paz Ntóni, pois ficas connosco.

Praia, Janeiro de 2020

José Jorge Costa Pina – Zé di Luisa da Achadinha

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Redação