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O estratagema de ganhar eleições com maquetas de projetos de obras
Colunista

O estratagema de ganhar eleições com maquetas de projetos de obras

“É preciso treinar o olhar e aprender a ver, através do tempo, toda essa fina interligação que existe entre as coisas à nossa volta”

1. Estávamos em plena campanha eleitoral para as câmaras municipais de 2008 e, mesmo à entrada do bairro de Vila Nova, amanheceu um enorme cartaz outdoor, com uma vista paradisíaca das ribeiras que fazem fronteira deste subúrbio da Praia com Achadinha e Fazenda. Uma longa ciclovia a perder de vista, seguia em paralelo com os muros das ribeiras – chamadas de avenida –, enquanto vários largos chapéus de sol apresentavam-se a cobrirem cadeiras espreguiçadeiras estendidas ao bordo de piscinas de águas azuis, projetadas nas aureolas da ribeira. Uma maqueta com uma imagem de sonho! Num passe de mágica transportou os transeuntes – potenciais eleitores municipais – para um sentido suspiro: “Avé! Odja modi ki rubera de Vila Nova ta bem fika bonito!Passaram-se mais de dez anos, nem ciclovia, nem chapéus de sol, nem piscinas. Nada! Era apenas para ludibriar!

Fig. 1 - Recorte da contracapa do programa eleitoral do MPD para a Câmara Municipal da Praia, 2008

2. Parece que foi assim que ficou traçado um estratagema para ganhar eleições e governar na Câmara Municipal da Praia: desenhar portentosas maquetas capazes de impressionar os praienses, anestesiando-os duplamente. Primeiro, leva os munícipes a deleitarem-se com as cores vivas e os desenhos inovadores das maquetas nunca antes vistas. Em segundo lugar, é uma aposta em criar um outro significado daquilo que deve ser o trabalho da Câmara Municipal da Praia, isto é, uma aposta em criar a ideia de que o único trabalho da câmara significa fazer essas obras bonitas. A partir daí, a avaliação do desempenho passa a ser com base nessas obras bonitas, mesmo que fiquem apenas pelas maquetas espetaculares. Passado algum tempo, ninguém há de se lembrar! É básico, mas é assim que a Câmara Municipal da Praia tem vindo a atuar;

3. A partir de 2008 até 2019, são diversas maquetas apresentadas com grande alarido, sem nunca terem chegado ao processo de sua construção. Já vimos o caso da ciclovia e piscinas de Vila Nova.  Há também o pavilhão multiuso de Achada Santo António apresentado de forma pomposa em 2013, numa maqueta de um pavilhão inspirado no formato impressionante de uma tartaruga! Passados dois anos, face ao falhanço da sua construção, faz-se um novo lançamento em dezembro de 2015, a menos de três meses antes das eleições legislativas de março de 2016. O pavilhão tartaruga é substituído por uma outra maqueta, bem mais modesta num estilo mais focado no lucro de arrendamentos de espaços adjacentes. Hoje, passados meia dúzia de anos, o terreno à frente do “A Bolha” é um enorme cerco de latão!

Fig. 2 - A famosa maqueta formato tartaruga

Fig. 3 - Uma maqueta para lucrar com arrendamento

  

 

Fig. 4 - Seis anos depois: o buracão da realidade

 

4. Exatamente o mesmo aconteceu com o mercado de Côco, lançado e relançado com o aproximar de cada eleição. A maqueta inicial, em 2011, é de um enorme edifício com restaurantes, creches, parques de estacionamento e lojas, num conjunto de quatro pisos, que, quatro anos depois, é transfigurada na maqueta de um enorme barracão de um único piso. Hoje, oito anos e mais de um milhão de contos depois, o resultado é um amontoado de chapas e vigas de ferro.

Fig. 5 - Maqueta inicial do mercado do Côco

Fig. 6 - Passados oito anos: monte de sucata

  

5. Do mesmo modo, se olharmos para a última maqueta para a zona de Quebra Canela, deparamo-nos com um arranjo de sonho que até inclui marinas! Passados cinco anos, hoje o que se tem é uma crescente cortina de construções entre o areal da praia de Quebra Canela e a terra. A praia da Gamboa sofre o mesmo processo de ilusão: uma maqueta bonita com prédios de encantar para dar sustentação ao argumento superficial: “odja modi ki Praia ta fika bonito, li!” Não importa o futuro, o ambiente, a orla marítima, a gestão do território urbano, nem tão pouco, a transparência na gestão da coisa pública!

6. Ao analisarmos estas obras no tempo, a primeira conclusão é a de que as maquetas são usadas para ludibriar os munícipes, através das suas apresentações. Mas, em outras ocasiões, quando se instala uma onda de contestação pública ou de questionamento das decisões da Câmara Municipal em relação à construção de determinadas obras, então, as maquetas são usadas para acalmar os ânimos e, mais uma vez, ludibriar. Foi o que aconteceu, recentemente, com a apresentação das maquetas para a praia da Gamboa, quando a CMP se viu confrontada por dar o aval intransparente para o arranque das obras sem ter passado pela Assembleia Municipal; e, mais recentemente ainda, com as maquetas do Liceu da Várzea, desenhadas na hora, como forma de esvaziar a condenação pública gerada pela polémica da “venda do Liceu Cónego Jacinto”;

7. A questão que se coloca é saber se os praienses vão continuar a votar em maquetas tendo em conta a sua já bastante gasta utilização para os ludibriar num estratagema de apresentar maquetas bonitas aos olhos, sem nenhuma intenção de as construir, como ficou comprovado pelos casos de piscinas e ciclovias de Vila Nova; pavilhão polidesportivo de Achada Santo António; Plano Detalhado de Quebra Canela; e Mercado de Côco! Ao entrarmos neste último ano de pré-campanha, virá uma inundação de maquetas de toda a espécie, desde túneis, teleféricos, piscinas municipais, pedonais, jardins suspensos, trilhos urbanos, campos de campismo e, quem sabe, uma outra coisa qualquer que seja a maior de toda a África Ocidental! O desafio mantém-se: mesmo com todas estas maquetas, umas a meio e outras com a construção por arrancar, os praienses vão se iludir com mais maquetas?

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine