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Processos Disciplinares Partidários, Pedagogia e “O Cravo e a Ferradura”
Colunista

Processos Disciplinares Partidários, Pedagogia e “O Cravo e a Ferradura”

1. Há uma pergunta importante a fazer: por que não aproveitar esta oportunidade – que a história nos oferece – para debater as questões de disciplina partidária, estatutos e democracia interna, agora que surgiu este caso dos processos disciplinares que a Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJF) do PAICV instaurou aos militantes deputados que, alegadamente, não seguiram o sentido de voto indicado pela Bancada do Partido no Parlamento? Sim, discutir para que se perceba qual é a essência na posição do Partido nestas questões! Estará a contribuir para a qualidade desta discussão, estar-se ao mesmo tempo a defender a verdade e a inviabilizar o processo de inquérito disciplinar que – precisamente – busca a verdade? Que enquadramento pode ser dado à tentativa de pôr em causa a CNFJ e os Estatutos do Partido, ambos validados em Congresso? O que é que se pretende? Criar novas figuras de militantes, cujos lugares são acima dos Estatutos do Partido?

2. São a verdade e a seriedade que mandam sublinhar quatro pilares fundamentais que servem de enquadramento à análise desta situação: i) No atual Parlamento Nacional todos os Deputados da Nação são militantes de partidos políticos. Não há nenhum Deputado no Parlamento que entrou lá sem ser pelas listas apresentadas por partidos políticos; ii) Nenhum partido político pode instaurar um processo disciplinar a um deputado da Nação pelo seu sentido de voto, mas qualquer partido político pode instaurar processos disciplinares a qualquer militante, mesmo que este seja Deputado; iii) As consequências dos processos disciplinares recaem sobre o militante, sem nunca beliscar, nem pôr em causa o mandato do deputado; iv) O PAICV tem os seus Estatutos que estabelecem “os princípios que regem a vida organizativa partidária e a actividade dos militantes (…)”, estatutos aos quais todos os militantes, sem exceção, estão submetidos;

3. Ao olharmos para os Estatutos do PAICV – há quem possa não concordar, nem gostar – mas há ali uma regra chamada de “disciplina partidária” que dá nome ao Capítulo V, onde no Artigo 110º está estabelecido de forma clara que “os militantes do Partido que infrinjam os seus deveres estatutários ficam sujeitos às seguintes sanções: a) Advertência; b) Censura; c) Suspensão até um ano; d) Expulsão.” Entre os vários deveres dos militantes, cujo incumprimento pode levar à aplicação de sanções, há um dever que poderá aplicar-se bem a este caso. Trata-se da alínea j) que determina ao militante a obrigação de “comprometer-se a seguir a orientação política do Partido, no desempenho de funções públicas electivas ou designadas sob o patrocínio do Partido”;

4. Há ainda, o “compromisso de honra”, no Artigo 109º, a sublinhar de forma direta a questão da disciplina de voto: os candidatos às eleições para qualquer assembleia política assumem o compromisso de honra, no qual se comprometem a colocar o seu cargo à disposição se por qualquer motivo se recusarem a submeter à disciplina de voto em matérias consideradas essenciais, salvo questões de consciência, ou deixarem de pertencer ao PAICV”. Deste modo, fica clara a obrigatoriedade de submissão ao sentido de voto indicado pela liderança do Grupo Parlamentar e fica igualmente estabelecida a exceção a essa submissão: apenas no caso de questões de consciência como o aborto, a eutanásia, o casamento homossexual, entre outras, sendo que a regionalização não é uma questão de consciência. Pior ainda com o recurso à justificação do voto em nome da ilha, pois constitui uma violação da Constituição da República que estabelece no Artigo 162º: “Os Deputados são os representantes de todo o povo e não unicamente dos círculos por que foram eleitos”;

5. O meu amigo, José Casimiro Pina, pergunta num post: “Num partido político, para que serve uma comissão/conselho de jurisdição/fiscalização/disciplina? À luz da liberdade e do livre pensamento/discurso, faz sentido haver semelhante órgão?” Sim, para que serve?!

6. É precisamente nessa matéria de voto em desrespeito às indicações do Partido que importa ver os seguintes dois exemplos de atuações de comissões de jurisdição de partidos políticos junto de uma outra democracia: em 2016, o PSD/Madeira aplicou a pena de suspensão de três meses aos três deputados que, ao não obedecerem ao sentido de voto indicado pelo líder da bancada, Pedro Passos Coelho, decidiram votar a favor do orçamento apresentado pelo PS. Ficaram com os seus direitos de militantes suspensos até ao fim da pena aplicada. Três anos antes, em 2003, o CDS-PP suspende um deputado da sua condição de militante, também por não ter obedecido ao sentido de voto;

7. Por isso, qualquer posicionamento que não tem o enfoque na verdade – com base nos Estatutos – e procura “dar uma no cravo e outra na ferradura”, não é pedagógico, no sentido de transmitir às gerações vindouras formas nobres de fazer política e contribuir para a melhoria da sociedade. Além de, ainda, constituir um mau sinal à sociedade, à qual os políticos têm agora mais do que nunca, a obrigação de dar provas renovadas de serem merecedoras da confiança do povo;

8. Que os militantes e a sociedade em geral analisem e tirem as suas conclusões!

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine