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Emprego, estatísticas e ajudantes de hiace
Colunista

Emprego, estatísticas e ajudantes de hiace

1. O problema dos transportes tem sido um dos maiores desafios para a Câmara Municipal da Praia e continua sem solução à vista. Para piorar a situação a autoridade municipal resolveu criar da noite para o dia uma medida para acabar com essa circulação das carrinhas Toyota Hiace, às voltas, na busca de passageiros pela cidade. Mas, não haveria forma de resolver o problema da circulação de hiaces e, simultaneamente, conservar os postos de trabalho dos ajudantes? E não criar novas dificuldades aos utentes, praienses e outros, utilizadores desses transportes?

2. O argumento utilizado foi, mais uma vez, o da "ordem". O problema é que esse discurso da ordem é uma narrativa construída por aqueles que têm o poder da comunicação social e que são exatamente quem tem as suas necessidades básicas já garantidas. Um pouco na linha do ditado popular "farto ka tem dor de fomento". Paradoxalmente, quem está agora no lugar de tomar estas medidas foram colocados lá, precisamente, pelos hiacistas, ajudantes e rabidantes que sofrem diretamente com as medidas dessa "ordem". Em nome dessa "ordem", manifestações fervorosas de apoio sustentam a existência de uma empresa municipal de parquímetros a operar na ilegalidade, segundo o parecer do próprio Provedor de Justiça, e até a perseguição que a Guarda Municipal faz a mulheres rabidantes que dinamizam a economia da Praia e do país;

3. Sinto até medo de pensar que uma outra razão do sucesso dessa tal "ordem" seja a crescente 'falta de solidariedade' que tem vindo a tomar conta da nossa sociedade. Chegamos ao ponto de não emergirem vozes nenhumas em defesa desses caboverdeanos que - sem terem um emprego formal que deveria ter sido criado pelo Governo - vêem-se, de repente, sem o seu sustento e comida para os seus filhos. Tudo porque é mais alta a voz daqueles que - já com a garantia do pão na mesa da sua casa - agora, a sua preocupação é deslizar pela Avenida Cidade de Lisboa, suave, rotunda abaixo. Estão mais acima na pirâmide das necessidades de Maslow e esqueceram-se dos outros mais em baixo que ainda lidam com insegurança na comida, os tais fomentos;

4. Estimativas apontam para cerca de 60 ajudantes de hiace que a partir de agora viram desaparecer a sua única fonte de rendimento. Como é possível pensar em medidas que destroem postos de trabalho? Só quando são medidas desumanas, pois não colocam as pessoas no centro das decisões, e porque são medidas tomadas à pressa, de forma superficial e irrefletidas. São medidas desta natureza que vão contribuir para aumentar a destruição de postos de trabalho revelados pelo INE: 5960 empregos destruídos de 2016 para 2017!

5. Prova de serem medidas avulsas e de improviso, é o próprio estado desse "terminal para paragens de hiace"! São apenas filas para os hiaces que ocupam as bermas das estradas de um lado e de outro, nos espaços mais largos, como ao lado do mercado do Sucupira. Um exemplo dessa falta de preparação, é o caso de hiaces para a Cidade Velha. É sabido que há diferentes carros que vão para as diferentes zonas da Cidade Velha. Todavia, com esta distribuição de lugares, há apenas uma única paragem para a Cidade Velha. Problema: há carros na fila, atrás de outros, mas que se enchem primeiro. Fim do princípio "quem chega primeiro, carrega primeiro". Resultado: bate boca e polícia e guardas municipais a entreolharem-se, cheios de dúvidas. Coitados, foram mandados para ali;

6. A proibição de não se poder apanhar passageiros pelo caminho, depois do hiace sair do Sucupira, faz com que alguém que resida em Achada São Filipe tenha de pagar um táxi a 150$00 para - andar para trás - para ir apanhar um hiace no Sucupira e pagar mais 150$00 para se deslocar até Órgãos, passando por São Filipe, contou-me a mãe de uma amiga. Além do problema com os estudantes que já tinham os seus contratos mensais para as suas deslocações diárias. Vão ter de arranjar dinheiro para cobrir as deslocações entre as suas universidades e o Sucupira, único ponto de partida e de chegada de hiaces na cidade da Praia;

7. Ao invés de se homenagear os hiacistas, estes são perseguidos e injuriados. É preciso lembrar que grande parte constitui investimento de emigrantes e estão a cumprir uma função onde o Governo de Cabo Verde e a Câmara da Praia até ainda não tiveram capacidade: ligar os vales e cutelos destas nossas ilhas!

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine