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Pensar grande. A moda é que movimenta a economia criativa
Entrevista

Pensar grande. A moda é que movimenta a economia criativa

Andy Anjos, 31 anos, jornalista de moda, residente em Dakar, neste exclusivo ao Santiago Magazine, afirma que não “há financiamentos para este setor, não vejo nenhum programa nem da parte do governo nem da banca que beneficie ou suporte esta área”. Porém, ciente de que a moda é que movimenta a economia criativa e sendo uma pessoa que pensa grande e que gosta do desconhecido, vai em frente com o seu projecto de abrir uma agência de moda e artes, num setor “bastante machista, no sentido de ter uma grande presença masculina”.

 

Santiago Magazine - Para começar, gostaríamos de saber quem é a Andy Anjos? Pode falar um pouco de ti enquanto mulher empreendedora e do trabalho que tem realizado nesta área.

Andy Anjos - Sou formada em jornalismo, e fiz minha especialização em jornalismo de moda e consultoria de imagem. Embora sabendo de antemão que o setor nem sequer é um bebé em Cabo Verde. Muitos me perguntam porque fiz esta especialização se este setor é inexistente no país. Fiz esta especialização na Academia de Moda “EM Moda”, uma academia de moda brasileira, com cursos online e qualquer pessoa pode fazer a sua graduação à distância ou formações de curta duração. Eu sou assim, sempre gostei do desconhecido, não tenho medo de embarcar em projetos sem saber o rumo. Meu objetivo sempre foi trabalhar no mundo da moda. Comecei fazendo pequenos trabalhos como modelo. Mas depois decidi que é este o setor que quero desbravar. E comecei a pensar qual seria o meu papel no nosso mercado porque infelizmente na nossa sociedade a moda é ainda vista como uma coisa meio fútil, as pessoas ligam a moda a modelos e roupas. Mas não é isso.

Mas assim? Será que ainda a nossa sociedade não percebe este setor, ou existem outras razões?

Quando falo de moda, a última coisa que me vem à mente são modelos, a última coisa que me vem à mente é “fashion show”. A moda envolve uma indústria que vai desde a confecção de roupas, indústria têxtil, indústria de cosmetologia, indústria de joalheria, indústria de acessórios. A moda abarca um mundo bem amplo. Grandes imprensas. Por exemplo, a imprensa “papel” decaiu devido ao bombardeamento das plataformas digitais, as pessoas estão digitalizadas, preferem ler jornais online que impresso. Mas na moda isto não aconteceu. As grandes revistas continuam intactas e milionárias. Por exemplo, quando olhamos para as grandes cidades, por exemplo, Nova Iorque, uma das cidades mais ricas do mundo. A sua economia não é uma economia industrial ou agropecuária, mas uma economia criativa. As pessoas quando visitam a cidade, querem ver um espetáculo na Broadway, grandes companhias de dança, espetáculos na rua, grandes desfiles de moda, com grandes lojas de luxo, é uma cidade que se movimenta à volta da economia criativa. Em Paris, França, é a mesma coisa. A mesma com Milão, que em termos de turismo a cidade não é a mais conhecida, as pessoas preferem Toscana, mas Milão é a Semana da Moda, com grandes lojas e joalherias. Mas, pode me perguntar ali é a Europa, e os EUA, não pode comparar com Cabo Verde. Mas se formos até Dakar, onde vivo, um país africano como o nosso, que até em termos da sua situação política até há bem pouco tempo é que se tornou pacífico, mas estão a dar grandes passos. Quando vais a Dakar, o centro movimenta-se por causa da economia criativa. Encontras grandes lojas, grandes estilistas, eventos de moda, galerias de artes com exposições semanais. Em Abidjan é a mesma coisa. E encontras pessoas que vivem desta atividade. E penso porque não Cabo Verde? Nossas rotas nos privilegiam, estamos no centro do mundo, fazendo ligação com a África, Europa e América. Além da visibilidade dessa rota, a nossa cultura nos privilegia.

Mas isso não acontece ainda aqui em Cabo Verde...

Quando se fala de Cabo Verde fala-se de Cesária Évora, Ildo Lobo. Somos conhecidos por isso. Por exemplo, no século XVIII Cabo Verde foi conhecido pela sua indústria têxtil, com a exportação do algodão e tinteiro para a indústria de tinta. E nossa economia se movimentava à volta desta indústria. O nosso pano de terra” era moeda de troca. E podemos pensar porquê que agora não temos mais esta dinâmica. Porque nossa economia criativa baseada no têxtil decaiu. O pano de terra é utilizado por poucas pessoas e perdeu sua autenticidade. Meu trabalho de pesquisa de fim de curso foi sobre isso. Por vezes fico triste porque temos a mentalidade de que moda é fútil. Vejo que a Praia e o Mindelo têm como base uma economia criativa e se apostarmos neste setor seria uma grande aposta porque temos grandes músicos, grandes artesãos, grandes pintores plásticos, grandes estilistas, nosso pano de terra. E até o governo pode observar que a economia criativa proporciona o turismo. Vejo que o turista não gasta muito por aqui, o dinheiro que ele traz ele retorna com ele, porque não há grandes produtos para comprar. A receita que fica é pouca. A estratégia, talvez, seria fazer com que o turista que visita o país, gasta em outras coisas que não apenas os hotéis, e vejo aqui que a moda pode proporcionar um aumento do fluxo turístico e a economia baseada no turismo seria influenciada de forma direta.

Profissionalmente falando, qual é a tua posição neste momento. Uma empresária, uma empreendedora?

Em termos profissionais, trabalho com uma empresa, sou a diretora criativa da One Africa Group, trabalhamos com os atores de moda africana. A sede é em Abidjan, mas fazemos conexão com vários países africanos: África do Sul, Nigéria, Senegal, Marrocos. Também trabalho com uma agência de moda e meu objetivo é abrir, também, uma agência de moda e artes com objetivo de exportar grandes eventos.

E como pensa materializar estes projetos? Já pensou no financiamento? Será com fundos próprios, ou pensa recorrer ao capital alheio, aos créditos?

Não há financiamentos para este setor, não vejo nenhum programa nem da parte do governo nem da banca que beneficie ou suporte esta área. Me informei, mas não existe. É um grande desafio para o país. Podemos ter mil e umas ideias, uma mente criativa e o desejo de fazer alguma coisa. Mas, há dificuldades para os jovens darem os primeiros passos e iniciarem seus projetos e ideias. Mas mesmo assim avancei. Até março tenho um grande objetivo que é começar a organizar o setor de Cabo Verde da One Africa Group. Tenho a ideia de realizar um “Fashion Talk” em meados de fevereiro/março. Participei da “African Fashion Talk” de Abidjan.

O que prentende efectivamente com este evento?

O objetivo do evento é começar a mudar a mentalidade e integrar os atores envolvidos – e o próprio governo – a passar a ver a moda como uma área que precisa ser em explorada porque ela é que movimenta a economia criativa. Porque, por exemplo, os músicos precisam da moda para realizar um grande videoclipe, uma agência de comunicação e de publicidade precisa da moda. O conceito de publicidade, por exemplo televisiva, precisam da moda, na escolha de modelos, de cores, etc. A moda influencia alguns setores, por exemplo, os estilistas, são uma marca, um branding, têm um negócio, mas a maioria deles em Cabo Verde não possue uma marca registada ou um atelier e a maioria deles não vê rentabilidade nos seus negócios porque não possui uma consultoria. É tipo dar tiros por todos os lados e ver onde acertamos.

Quero contribuir para a mudança deste setor no país. Inspiro muito numa amiga com o nome artístico de a “Dama Paris” no Senegal que deu os primeiros passos para mudar o setor da moda no seu país, hoje possui a patente para o Dakar Fashion Week, é a primeira a ter uma marca, possui uma agência de moda e exporta os grandes modelos senegaleses para o mundo. Em África é bem reconhecida. Quero ser a Dama Paris em Cabo Verde porque os estilistas precisam desta visão, modelos e grandes designer precisam disso. Porque nós temos grandes profissionais. Se não tivéssemos, poderíamos ter que andar no escuro. Tenho a certeza que vou andar em caminhos claros, porque temos grandes artistas. O que falta talvez seja pessoas com conhecimentos na área, com contatos, com esta visão e mentalidade ampla para proporcionar este crescimento. Por exemplo, vemos que o governo, no caso o ministério de tutela a área, foca muito na música e penso que falta movimentar esta indústria criativa. Vejo grandes eventos culturais serem promovidos, e a moda é muito mais do que um evento cultural, é um setor que envolve muitas pessoas, muitas áreas. O governo deveria apostar na indústria criativa.

Existem algumas pessoas em Cabo Verde que vivem desta área da moda e trabalham com suas agências de modelo? Da sua experiência, quais são os grandes desafios que Cabo Verde enfrenta neste setor?

Em Cabo Verde as pessoas não veem a moda como trabalho, mas como um hobby, os modelos não vivem desta profissão, vemos os estilistas não se intitulam como tal, mas de costureiros, que confeccionam roupas, não lançam coleções. Dificilmente os estilistas lançam uma coleção. Aí vejo a Cindy Monteiro com o seu branding bem estruturado, talvez o grande problema seja o facto do setor aqui não a proporcionar para fazer grandes coisas. Aqui em Cabo Verde não vejo as pessoas a viverem da moda. A moda é uma organização composta por vários elementos que estão interdependentes e interligados. Cada um no seu quadrado, mas este quadrado está bem alinhado e interligado. Por exemplo, os modelos devem se profissionalizar porque sem isso não irão longe, as agências de moda devem se profissionalizar, os estilistas de terem o seu branding e marca registado. Minha empresa pretende realizar consultorias nesta área para, por exemplo, estilistas para a criação e definição da visão do seu negócio, de verem a sua marca como um negócio rentável. Esta é a minha ideia. Tenho plena consciência que não será fácil. Para alcançar este propósito é preciso mudar de mentalidade, é preciso tempo para essa mudança. Mas acredito que as pessoas ligadas a este setor mesmo não estando profissionalizadas, têm amor e vontade para o setor e isso facilita todo o trabalho necessário para o desenvolvimento do setor.

Que conselhos deixa para as mulheres que querem entrar neste setor ou que já estão inseridas ou dando os primeiros passos?

A moda é um setor bastante machista no sentido de ter uma grande presença masculina, por exemplo na empresa onde trabalho somos 2 mulheres no meio de 23 homens. O núcleo do das estratégias para o setor é constituído por homens, embora o cenário esteja a mudar, com a inserção de muitas mulheres no setor. O meu conselho para as mulheres é de serem “atrevidas”, não terem medo do desconhecido. É um meio difícil, mas não impossível. Olhar para o setor como um meio de vida, não apenas hobby, não existe hobby neste setor. Vejo, por exemplo, a linha de shampoo e amaciador – a “Vida Mais” - existente em Cabo Verde, está dentro do setor da moda, da indústria de cosmetologia, quando vejo “Madiara” e outros. Fui a Cidade Velha e encontrei uma indústria de sabão, creme de cabelo, mas de uma forma muito “homemade”. E constatei que temos mulheres com potencial, temos mulheres que conseguem fazer mais, talvez seja o medo de embarcar no desconhecido, talvez seja a falta de oportunidades de desenvolver mais esta área ou a ausência de financiamento para os seus projetos. Estas mulheres têm bagagem, é preciso arriscar e avançar. É um pensamento bem feminino que temos, de não arriscar e ficar na nossa zona de conforto e segurança. Fala-se de empreendedorismo feminino, mas o problema está na mentalidade da mulher, com as coisas que nos foram ensinadas e aprendemos desde pequenas de que a mulher deve estar no seu quadrado e os homens é que devem explorar o desconhecido. E aqui em Cabo Verde contrariamente o setor da moda é integrado por mulheres, poucos homens fazem parte deste setor. E com uma ideia machista de que moda é coisa de mulher e os homens que estão no setor são gays. Agora, imagina todas estas mulheres se associarem farão grandes coisas. Vejo que podemos movimentar o setor se estivermos unidas. O conselho que dou para as mulheres que estão nesta área é para pensarem grande e avançar sem medo. É preciso pensar grande, ter uma visão grande, para poder dar passos grandes. Os cabo-verdianos são energéticos, vejo a música por exemplo o batuque, funaná e até a morna é cantada energeticamente. Temos o power que é preciso para avançar sem medo.

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Redação