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O caso dos terrenos da Praia. Dá para ficar calado?
Editorial

O caso dos terrenos da Praia. Dá para ficar calado?

“Ele (ex-embaixador da União Europeia em Cabo Verde, José Manuel Pinto Teixeira) pagou pelo terreno 5 mil e 500 contos cabo-verdianos, 50 mil euros. Há terrenos que podem ir a concurso e há os que podem ser por ajuste direto”.

Rafael Fernandes, Vereador do Urbanismo da CMP

 

O dever da cidadania interpela a todos os cidadãos a falar, quando há indícios de que o interesse colectivo esteja a ser afrontado! Não há como ficar calado, na medida em que a fatura do silêncio poderá ser elevada demais para as capacidades do país e das pessoas individualmente.

A Câmara Municipal da Praia (CMP) tem estado a entregar terrenos a privados, em negócios de vendas muito abaixo do preço praticado no mercado. Além de ser uma gestão condenável, o facto é que os privados vão revender os terrenos a preços que apenas uma elite bastante reduzida pode ter acesso. São milhares de cidadãos que ficam excluídos de qualquer possibilidade de ter uma casa para morar com a sua família. Santiago Magazine vai exemplificar aqui com casos concretos, sabendo que há muitos outros.

Em janeiro de 2018 verificou-se o caso do terreno vendido pela Câmara Municipal da Praia ao ex-embaixador da União Europeia (EU), José Manuel Pinto Teixeira. Este negócio deu muito que falar e continua a dar!

Este ano, concretamente a 25 de junho, às 14h00, no Gabinete do Presidente, Óscar Santos, teve lugar o ato público de abertura das propostas dos interessados no concurso público para a alienação de lotes de terrenos em vários bairros (CONC-T-CMP201905).

Nestes terrenos (de 100  m2 a 406 m2), situados na Prainha, Achada São Filipe, Ponta de Água e Achada Grande Trás, o preço mínimo proposto pela Câmara Municipal da Praia vai de 300 contos a 8130 contos.

 

Santiago Magazine fez uma espreitadela para conhecer os preços das ofertas. E descobriu coisas mirabolantes. Por exemplo, para os terrenos em Achada de São Filipe a proposta de aquisição máxima apresentada foi de 1.600 contos. Já para a Prainha, houve uma proposta de aquisição de um lote de terreno de 406,5 m2 por 61 mil contos.

Consta que o terreno supostamente vendido ao diplomata europeu Pinto Teixeira, em 2018, situado neste bairro nobre da capital, tem uma área de pouco mais de 900 metros quadrados - no mínimo duas vezes maior que este que foi leiloado por 61 mil contos – ficando cristalino, a partir deste leilão, que este negócio com ex-embaixador da UE em Cabo Verde é económico, financeiro e moralmente um roubo ao cofre da Câmara Municipal da Praia.

Porque é esta mesma Câmara Municipal da Praia que vende um terreno (ativo) na Prainha por pouco mais 5 mil contos – cujo preço num processo de leilão poderia ascender aos 120 mil contos - e que vai depois ao banco contrair empréstimos a uma taxa elevada, por alegadamente não ter dinheiro para realizar os seus investimentos.

São questões que requerem uma reflexão sobre os verdadeiros desígnios dos autarcas em exercício, na medida em que estão se tornando em algo normal e corriqueiro no maior município do país.

Nesta oportunidade, e como ilustração, convém trazer para análise uma deliberação da Câmara Municipal da Praia, cujos resultados, seja qual for o ângulo de abordagem, tudo aponta que são altamente lesivos para este município, e para todo o país.

FIRMA: “SIBAFIL – SOCIEDADE DE EMPREITADAS, LDA –SUCURSAL CABO VERDE”

Deliberação nº 24/2018 e Deliberação 27/2018

A Câmara Municipal da Praia disponibilizou 17 hectares de terrenos (170 000 m2) em Achada São Filipe mais 2,5 hectares (25 000 m2) em Fontom/Encosta ASA, pertencentes ao Município, para a empresa SIBAFIL, “ao abrigo de uma parceria a estabelecer através de contrato de urbanização específico, para a disponibilização de solo infraestruturado para uso habitação e terciário/armazéns”.

“A disponibilização do terreno é feita com isenção de pagamento, mediante a obtenção, ao abrigo da parceria, de contrapartidas para o Município, com cedência de áreas dotacionais e partilha de receitas advenientes de venda de lotes, em partes iguais sobre o resultado líquido obtido após os custos globais de investimentos na infraestruturação da urbanização objeto da presente deliberação.

“O contrato de urbanização a estabelecer entre a CMP e SIBAFIL definirá a modalidade de financiamento da execução das obras de infraestruturação da Urbanização, nomeadamente”:

a) Execução da rede viária;

b) Execução dos arranjos exteriores e espaço verde;

c) Execução da rede de esgotos;

d) Execução da rede de abastecimento de água;

e) Execução da rede elétrica e iluminação pública.

Imagem 1. Terrenos em Achada São Filipe oferecido a SIBAFIL

Fonte: B.O. II N.º 40, II Série da República de Cabo Verde 18 de março de 2019

 

Imagem 2. Terreno em Fontom/Encosta ASA oferecido a SIBAFIL

Fonte: B.O. Nº  40 da República de Cabo Verde — II Série ,18 de março de 2019

Ora, a Tecnicil Indústria tem neste momento terrenos à venda em Achada Grande Trás, de 210 m2 a 376 m2, a partir de 2.300 contos.

Os diferentes leilões realizados pela Câmara Municipal da Praia já provaram, e este último veio reconfirmar, que o preço abaixo do mercado praticado pelos responsáveis municipais não têm cabimento.

É certo que a missão primordial da Câmara Municipal da Praia deveria ser conservar e manter o espaço público e gerir harmoniosamente os seus territórios. Isto resulta dos estatutos.

No entanto, a realidade aponta que esta missão não está sendo cumprida. Por exemplo, ao fixar o preço do terreno para concessão abaixo do preço do mercado, a empresa sortuda escolhida a dedo pela Câmara Municipal, neste caso concreto, a SIBAFIL (como aconteceu com a JS-CV, Construção Spencer, a Khym Negoce e muitos outros), pode dizer, suponhamos, que terá gastado 50, 100 ou 200 mil contos (a asfaltagem da Cidadela; empreendimento privado da Tecnicil foi orçamentado pela CMP em 50 mil contos) em execução da rede viária, dos arranjos exteriores e espaço verde, da rede de esgotos, da rede de abastecimento de água e da rede elétrica e iluminação pública, abatem este valor como está no contrato e dividem o lucro a meias entre as partes.

Aqui, como é que fica o interesse da Câmara Municipal?

Outro exemplo, é a requalificação de Fonton, cujo financiamento “através do Programa de Reabilitação, Requalificação e Acessibilidades (PRRA), está previsto em quase 120 mil contos”. Segundo Óscar Santos, “estamos a falar de uma zona muito perto de Quebra Canela [Praia] que tem um valor muito alto e temos de lhe dar uma atenção muito especial. Há uma quarta fase que é transformar Fonton num famoso pulmão verde da cidade. Aqui, tem todas as condições para que, em concertação com o privado, dar a esta zona um valor muito mais alto.

E exactamente aqui é que situam parte do terreno concedido ao SIBAFIL, firma de empresários portugueses amigos do partido no poder. Será que a CMP fez isso de propósito, ou seja, tratou do terreno para ser vendido pela SIBAFIL?

 Na ausência de respostas de quem de direito a estas questões, convém atentar para as respostas dos números. Se os 195.000 m2 de terreno oferecidos à SIBAFIL forem loteados em parcelas de 210 m2 consegue-se qualquer coisa como 928 lotes de terreno. Estes lotes, se vendidos ao preço praticado pela Tecnicil neste momento, daria algo como 2.135.714,28 contos (cerca de 20 milhões de euros).

Se isto não é assalto ou gestão danosa, isto é, transferência selectiva de riquezas do município para privados, o que mais poderá ser!?

Uma empresa privada investe 50 ou 120 mil contos, que a Câmara Municipal da Praia alega não ter (mesmo estando no programa PRRA 1,4 milhões de contos só para o concelho da Praia), para depois ganhar 500 mil a 1 milhão de contos (5 a 10 milhões de euros).

Que nome se pode dar a uma gestão deste calibre? Dá para ficar calado?

 O diretor

Hermínio Silves

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine