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Desaparecimento de pessoas. Do descaso das autoridades e seus efeitos
Editorial

Desaparecimento de pessoas. Do descaso das autoridades e seus efeitos

Cabo Verde é um país pequeno. Conta com um espaço terrestre de 4 mil e 32 quilómetros quadrados de área, ocupado por cerca de meio milhão de pessoas. Um país pequeno em todas as dimensões – territorial e populacional.

Na ilha de Santiago, a mais populosa, vivem cerca de 56 por cento da sua população. E é certamente por este motivo, que Santiago é a ilha onde se cometem mais crimes contra pessoas, nomeadamente a nível de homicídio. Mas também é a ilha onde pessoas têm estado a desaparecer com mais frequência e de uma forma muito estranha.

Referimo-nos aos casos em que as pessoas pura e simplesmente desaparecem no meio do nada sem deixar rastos, com as autoridades e toda a sociedade impotentes, entregues aos seus monólogos e interrogações, ou a falar ao vento. Os crimes cujos autores nunca são descobertos já nem vale a pena falar, de tão corriqueiro e banal que se tornaram entre nós.

São, com efeito, situações lamentáveis, que criam um clima de desconfiança e desconforto na sociedade, promovendo, em consequência, um sentimento de medo, de insegurança e de revolta.

Sim, revolta! Porque os crimes devem ser desvendados. São direitos que o povo tem, garantidos por lei. Descobrir os criminosos, identificar os homens e as mulheres que põem em causa a vida comunitária, e puni-los nos termos da lei, é o mínimo que um povo pode exigir das autoridades públicas, seja o país rico ou pobre, democrático ou autoritário.

Tal como a água, os alimentos, a saúde, a segurança é também um bem básico imprescindível à vida do ser humano, ocupando um lugar destacado na pirâmide das suas necessidades.

Assim, não existem lamentos, discursos e gestos capazes de colmatar a falta de segurança, de responder aos estragos que sua ausência provoca na vida colectiva, sendo tributária da paz e equilíbrio sociais, que são atributos caros ao processo de desenvolvimento de qualquer país.

As palavras – ou discursos – não combatem o crime. Combater o crime exige acções concretas, assertivas e operacionais disseminadas pela sociedade, assumindo uma identidade colectiva pública, uma luta da nação.

O criminoso é pessoa como nós, e é nesta condição que circula no meio do povo, tranquilo, fazendo pouco da nossa cara, troçando dos nossos medos e angústias.

Esta sua atitude é, no extremo, um exercício de escárnio ao amadorismo das autoridades públicas na forma como lidam com o crime e seus tentáculos. Por outras palavras, o criminoso festeja o descaso das autoridades na luta contra o crime, porque sabe que a sua incompetência e inoperância conferem-lhe amplas oportunidades de sucesso e um vasto campo de manobra.

Sobretudo num quadro em que as autoridades levantam a bandeira do fracasso e pedem ajuda ao povo, como aconteceu no início desta semana, na cidade da Praia, em que a Polícia Judiciária e o Governo juntaram as vozes para pedir ajuda da sociedade no caso do desaparecimento de crianças.

E o povo, mais dinâmico do que as autoridades públicas, já começou a mostrar serviço – denunciou esta quinta-feira um estrangeiro, por sinal de nacionalidade chinesa, como sendo um possível sequestrador de crianças.

Esta denuncia popular, que mais não é do que uma das primeiras respostas ao apelo lançado esta semana pelas autoridades policiais e governativas, fez com que um contingente policial, numa operação relâmpago e bem guarnecida, fechasse a avenida principal do bairro da Achadinha, na esperança de se estar eventualmente perante um suposto criminoso.

Porém, tudo não passou de falso alarme, ficando a Polícia Nacional exposta ao ridículo, evidenciando o amadorismo de uma instituição com séculos de história, sendo guardiã de um dos pilares fundamentais do processo de desenvolvimento do país – a segurança.

A operação desta quinta-feira é, com efeito, um acto irresponsável e imaturo de uma instituição – a PN - que tem por missão trabalhar para garantir a segurança e a paz social no país.

Por outro lado, sendo vergonhoso e até certo ponto anedótico, pode ser classificado como um atentado ao direito dos estrangeiros, às relações diplomáticas do país e à confiança que uma organização como a polícia deve transmitir aos cidadãos.

Pode-se sempre defender de que a presença dos agentes visava proteger o visado… e aceita-se. Porém, fica sempre a ideia de um país mergulhado no anarquismo, preocupado com respostas ligeiras e contingenciais.

Assim, quando é que os criminosos passarão a ter temor ou medo das suas acções em Cabo Verde? E os cidadãos, quando é que ganharão confiança na polícia?

A Direcção

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Redação