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Cinco de Julho
Cultura

Cinco de Julho

I

O Dia 5 de julho é de festas, de reflexão e de vitórias do lúcido Povo das Ilhas. Há personalidades que não podem ser esquecidas. Ildo Lobo é uma delas. Marcou profundamente a minha geração como o Lúcifer da nossa consciência. (E vê e é visto como um coração exterior de Cabo Verde). Ele ganhou na plenitude o luzente fulgor como sóbrio intérprete da música Cabo-verdiana, com a sua dimensão humana e do artista que teve para tantos e tantos cidadãos anónimos que souberam, apaixonadamente, ouvi-lo com a cabeça erguida e o coração de bronze. Todos os tempos do verbo são poucos, e, aceitáveis para não o ouvir uma vez só ou vê-lo com um único olhar, e, nem tão pouco para chorar e cantar numa só voz. A sua alma é generosa e honesta.

E seguirá no caminho da casa pensado na carne dos vivos e na carne dos mortos. (Pergunta-se como é a morte)? A morte é para esquecer sem distração… O muito ilustre e especulativo Herr Professor explica tudo o que existe, esqueceu, por distração, como se chame, que é um homem, simplesmente um homem…KIERKEGAARD.

II

O Lúcifer voltará, certamente, à sua casa sem a solidão e uma réstia na passagem do arco-íris, como sono, escolherá o azul que iluminará sempre o seu olhar. Lobo será eternamente das vozes mais emblemáticas da lírica cabo-verdiana. O ícone imortalizou a música e a letra “Cinco de Julho”, e, a sua voz abriu as portas do mundo com chave d’ Ouro para que a Nação desventrada possa sonhar e ressuscitar das cinzas. Cantou “Nós Raça” temperada no caldeirão da nossa mestiçagem. Abraçou do lírico Renato Cardoso o tema “Alto Cutelo” na penumbra e na rouquidão da nossa estiagem, e, no desnudado dos nossos rochedos. Com “Terra bô sabé” reclamou a responsabilização do homem e da mulher Cabo-verdiana no sentido de se fazerem a digna distribuição da magra riqueza e das hóstias minguadas. (Pergunta-se será que a temos).Ele recusava ser o contrário a si próprio, assumindo-se tal e qual é. Enfim, com o empenho e a honestidade cívica do homem de causas e de lutas que recusou sempre estar presos a um comité ou cartilha ou seitas quaisquer que seja os rebuçados que lhe ofereciam ou embrulhadas instruções como máquina de amputação à sua liberdade.

III

Sem a extensão da censura o Lúcifer soube oferecer senhas da tamanha gratidão para plateia que teve pela frente e cantou aquilo que gostava e sabia bem partilhá-la. Era o trovador generoso, numa permanente dádiva, as grandes esperanças das ilhas. Ah! Ah! Ah! (Apanham-nas se puderem). Com archote nas mãos, o meu tributo é que nenhuma coisa fora de mim está escondida e dentro de mim vêm as lágrimas justas por que a morte é propriedade dos vivos. Lembrai! (São duas formas sublimares de se afirmar o mesmo). A Bíblia diz em 1 Coríntios, 2:9: “Mas, como está escrito: As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam”. Comunicar-te-ei em cada palavra e cada angústia, mesmo convivendo hoje e o amanhã com sorrisos herdeiros, onde, as borboletas voam juntas; a língua do mudo cantará de alegria e as maldições serão canceladas para sempre. Irreverentemente, ele buscava sempre outras verdades nas verdades que as vivências do quotidiano muitas vezes dissimulavam, pois também acreditava que os homens não fazem, geralmente, aquilo que dizem, mas são, permanentemente, aquilo que fazem.

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Redação