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Autarcas moram em casas particulares para receberem subsídio do Estado
Política

Autarcas moram em casas particulares para receberem subsídio do Estado

Os presidentes de câmaras municipais continuam a ignorar a lei e preferir ficar nas suas próprias casas ou de particulares em detrimento das residências oficiais... só para poderem beneficiar do subsídio do Estado para habitação. O Tribunal Constitucional promete notificar os faltosos com um prazo de 30 dias para regularizarem as suas situações.

Entre os incumpridores estão os presidentes de Câmara de São Vicente, São Filipe (Fogo), Ribeira Grande de Santiago e Ribeira Brava (S. Nicolau), respectivamente Augusto Neves, Jorge Nogueira, Manuel de Pina e Pedro Morais, conforme constatou a agência Inforpress, que um ano após noticiar o caso, voltou ao Tribunal Constitucional para verificar que ainda alguns titulares de cargos políticos e equiparados continuam a fazer vista grossa à lei que estabelece o regime jurídico do controlo das suas riquezas.

Desta “lista negra” fazem parte alguns gestores públicos e chefes de representações diplomáticas de Cabo Verde no exterior. Em relação a estes, excepção seja feita aos embaixadores Carlos Veiga, em Washington (Estados Unidos de América),  Jacqueline Pires Ferreira Pires (Alemanha) e Manuel Ney Monteiro Cardoso (Espanha).

Perante o incumprimento da lei, o Tribunal Constitucional promete não ficar de braços cruzados. Segundo uma fonte desta instância judicial, está-se a analisar o caso dos faltosos para serem notificados com um prazo de 30 dias para regularizarem as suas situações, sob pena de o processo ser encaminhado ao Ministério Público para os procedimentos legais.

Embora a lei exista desde 1995, muitos ainda não conseguem preencher correctamente a declaração e alguns fazem-no de acordo com os seus interesses. É o caso de autarcas que, na parte referente ao rendimento colectável bruto, se limitam a declarar o total do montante sem discriminar o salário dos subsídios que recebem e de outros proventos.

Desta forma torna-se mais difícil saber quem tem à disposição a residência oficial e, no entanto, continua a morar na habitação própria recebendo subsídio de renda. Entretanto, neste caso, excepção seja feita ao edil de São Salvador do Mundo, Ângelo Monteiro Vaz, que declarou receber subsídio para habitação, embora o município disponha de uma residência oficial.

Para o analista político, Corsino Tolentino, é “ilegal e imoral” que um autarca que tenha casa própria receba o subsídio do Estado.

A existência de casa própria é prova bastante da inexistência dessa necessidade”, diz, acrescentando que “a arma principal de qualquer agente de autoridade é o sentido de justiça”.

Na sua perspectiva, existindo a moradia oficial, o presidente de câmara “mora na residência ou não recebe qualquer subsídio de renda de casa”. Uma outra moda daninha, afirma Tolentino, é o presidente morar fora da área do município, “por conveniência pessoal”. Na opinião deste cientista político, o subsídio de renda pode acontecer justificadamente nos municípios novos, onde não se teve tempo para construir moradia oficial. 

Por sua vez, o jurista Ilídio Cruz defende que é preciso averiguar se, não obstante haver uma residência oficial disponível, se a mesma mantém as “condições de habitabilidade exigíveis para o cargo”. “Apesar de poder haver uma residência oficial disponível atribuída ao titular do cargo, parece-me que a lei não obriga a pessoa a morar nessa mesma residência”, comenta aquele advogado, lembrando que noutras democracias há casos de titulares de órgãos de soberania que “preferem continuar a morar nas suas casas, em vez de mudarem temporariamente para as residências oficias, por mais conforto relativo que tenham”.

Ilídio Cruz salienta, ainda, que, devido à circunstância de os salários da classe política não serem actualizados há mais de 20 anos, faz com que todos os subsídios reconhecidos aos titulares dos órgãos de soberania (incluindo presidentes de câmaras) “sejam como que incluídos nos respectivos salários ao serem pagos conjuntamente com estes”.

“Isto acaba por amortizar a extrema erosão do poder de compra provocada pela ausência de actualização ao longo de vinte anos”, concluiu.

Entretanto, se há cerca de um ano, eram poucos os que respeitavam a lei, hoje a situação é bem diferente, tendo-se, à data desta reportagem, registado um total de 442 declarações depositadas no TC.

Nessa altura, dos 72 deputados à Assembleia Nacional, 18 estavam em falta, com todos os partidos políticos com assento parlamentar a fazer parte da lista dos incumpridores. O MpD somava 13 deputados nesta situação, enquanto o PAICV contava com dois incumpridores e os três parlamentares da UCID ignoravam também a lei aprovada pelo Parlamento.

O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos, assim como o seu primeiro-vice, Austelino Correia, encabeçavam a lista dos que faziam “vista grossa” à lei aprovada pelo Parlamento. Ao nível das 22 câmaras municipais do país, apenas três presidentes tinham feito a declaração dos seus rendimentos.

Em Cabo Verde, a lei de declaração de rendimentos e interesse patrimonial tem 23 anos de existência. Ao longo desse período foi praticamente ignorada e não aconteceu nada a ninguém.

Recentemente, o TC  divulgou no seu site aquilo que todos já deviam saber, ou seja, que o incumprimento da obrigação de apresentação, actualização e veracidade das declarações de interesses, património e rendimentos faz incorrer o titular de cargo político ou equiparado em crime punível nos termos da legislação penal em vigor.

Em Portugal, país que tem sido fonte de inspiração das leis cabo-verdianas, nos últimos cinco anos dez autarcas perderam o mandato na sequência da fiscalização de declarações de incompatibilidades, rendimentos e património pelo Tribunal Constitucional.

De acordo com uma reportagem do jornal Público, de 02 de Junho do presente ano, desde 2012 a esta parte, a fiscalização do TC já fez cair 24 pessoas, entre presidentes de câmara, vereadores, administradores de institutos e empresas públicas e municipais.

São abrangidos pela lei o Presidente da República, os deputados à Assembleia Nacional, os membros do Governo, os membros da Assembleia Municipal, o presidente e vereadores de Câmara Municipal.

Os presidentes de institutos públicos, os embaixadores, os secretários gerais de serviços públicos e os membros do conselho de administração de sociedades de capitais públicos ou mistas, designadas por entidades públicas, estão também obrigados a depositar no TC as respectivas declarações relativas aos seus interesses, patrimónios e rendimentos.

Com Inforpress

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